Desde a reforma trabalhista de 2017, passando pelo fim do Ministério do Trabalho e pelas mudanças das NRs, conquistas sindicais, de melhores condições de saúde e segurança no trabalho, estão sendo ameaçadas e até destruídas.
É o que relatam, neste artigo, dirigentes das seis
maiores Centrais Sindicais brasileiras. O
barateamento do trabalho e a dificuldade de
fiscalização, consequências diretas da reforma,
traduzem-se em uma situação alarmante que já se
desenhava, mas que a pandemia escancarou.
Confira artigo na íntegra:
Para tratar da questão da saúde e segurança no
trabalho, enfocamos a evolução dessa matéria nos
últimos 40 anos, mais especificamente entre as
grandes conquistas de 1979 e a recente onda de
retrocessos, iniciada pela reacionária reforma
trabalhista em 2017.
A escolha do ano de 1979 está relacionada às greves
iniciadas em São Bernardo do Campo em 1978. Isso
porque uma das grandes vitórias daquele movimento
foi a conquista da negociação direta. E, através das
convenções coletivas, que abriram a possibilidade de
diálogo e negociação, os sindicatos passaram a
reivindicar, além de valorização salarial, melhoria
das condições e do ambiente de trabalho.
A questão da saúde e segurança e a organização de
Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (Cipas)
cresceram muito neste contexto. Tanto que o ano de
1979 foi considerado o marco inicial da luta
contemporânea pela saúde e segurança do trabalhador.
Isso levou os sindicatos a contratarem médicos do
trabalho e técnicos de segurança para assessorar os
trabalhadores, além de preparar quadros para esta
função, fazendo com que os próprios trabalhadores
passassem a fiscalizar as condições de trabalho e as
eleições para as Cipas.
Quando os sindicatos puderam negociar essas
questões, inúmeras denúncias de problemas de saúde
nas empresas surgiram, deixando claro que os índices
de acidentes de trabalho eram alarmantes e que o
reduzido número de fiscais do Ministério do Trabalho
era preocupante.
Naquele ano de 1979, consagrando o reforço da pauta
sanitária dentro dos sindicatos, foram realizadas as
duas primeiras Semanas de Saúde do Trabalhador (Semsat).
A primeira, concebida por médicos ligados ao Partido
Comunista Brasileiro (PCB), ocorreu entre os dias 14
e 19 de maio, em São Paulo, com a participação de
1.800 trabalhadores, 49 sindicatos e seis federações
de trabalhadores e trabalhadoras. O principal tema
de discussão foi a silicose e as doenças pulmonares
causadas por poeira. Foi naquela semana que surgiu a
ideia de o movimento sindical criar um departamento
para estudar as questões relacionadas à saúde e
segurança dos trabalhadores, como um “Dieese da
Saúde”, ideia que foi concretizada em agosto de
1980, com a fundação do Departamento Intersindical
de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes de
Trabalho (Diesat).
Esse processo, desde as greves de 1978, a assinatura
de convenções coletivas, as Cipas representadas
pelos sindicatos e todo o movimento em torno da
saúde e segurança no trabalho, começou a melhorar o
ambiente de trabalho.
A Constituição de 1988 equiparou os trabalhadores
rurais aos trabalhadores urbanos, criou o seguro
desemprego, reduziu a jornada de trabalho de 48 para
44 horas semanais, ampliou a licença maternidade e a
licença paternidade, instituiu o abono de férias e
direitos trabalhistas a empregados domésticos, entre
outras coisas.
No que tange à matéria aqui tratada, a Constituição,
além de declarar que a saúde é direito de todos,
dispõe sobre a saúde de segurança no Trabalho no
art. 7º, inciso 22, que estabelece como direito
essencial a redução dos riscos inerentes ao
trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e
segurança e o inciso 28, do mesmo artigo, que prevê
seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do
empregador, sem excluir a indenização a que este
está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa.
Desde meados da segunda década do século 21,
entretanto, os avanços civilizatórios conquistados
pelos brasileiros sofrem graves ameaças. Vivemos uma
fase de flagrantes retrocessos, inaugurada com a
reforma trabalhista de 2017, no governo de Michel
Temer.
Essa reforma reacionária propôs a extinção de
direitos fundamentais, como a proteção às mulheres
grávidas ou lactantes em ambientes insalubres, uma
aberração que, felizmente, não se consolidou, pois
foi derrubada por uma ação direta de
inconstitucionalidade da Confederação Nacional dos
Trabalhadores Metalúrgicos, em maio de 2019.
A flexibilização da jornada de 8 horas diárias, com
a possibilidade do cumprimento de 12 horas de
trabalho seguidas, mesmo em ambientes insalubres, e
a redução do intervalo mínimo de descanso para 30
minutos são outras grandes perdas contempladas
naquele atentado aos direitos dos trabalhadores.
Submetidos a uma grande pressão e sobrecarga em suas
funções, os trabalhadores e as trabalhadoras estão
mais suscetíveis a processos de adoecimentos,
acidentes, afastamentos, e mortes relacionadas ao
trabalho.
Além dessas questões específicas que atingem os
trabalhadores e as trabalhadoras no seu dia a dia, a
reforma impôs um prejuízo generalizado, não apenas
relacionado à saúde e integridade física e mental,
mas também na questão econômica e na garantia do
cumprimento de todos os direitos previstos pela CLT
(Consolidação das Leis Trabalhistas) e recomendados
pela OIT (Organização Internacional do Trabalho).
Trata-se do ataque deliberado aos sindicatos por
meio daquilo que na prática constituiu a suspensão
do financiamento sindical. Com isso, várias
atividades sindicais foram diminuídas drasticamente
ou até encerradas pelas entidades, como a
fiscalização, os espaços de orientação e formação
dos trabalhadores e os ambulatórios médicos e de
assistência à saúde.
No governo Bolsonaro, a partir de 2019, a classe
trabalhadora continuou sendo atacada e tendo seus
direitos sabotados. A saúde e segurança do
trabalhador foi prejudicada logo nos primeiros dias
do governo com a extinção do Ministério do Trabalho
e Emprego que era responsável pela fiscalização do
cumprimento dos direitos trabalhistas. Esse
Ministério foi incorporado ao Ministério da
Economia, simbolizando que o trabalho agora estaria
subordinado ao comando da economia.
E não parou aí. Em meados de 2019 o governo iniciou
uma ação no sentido de revisar todas as Normas
Regulamentadoras (NRs), que orientam os
procedimentos de segurança e saúde obrigatórios a
serem implementados pela empresa nos locais de
trabalho.
A representação dos trabalhadores na Comissão
Tripartite Paritária Permanente (CTPP) tem buscado
resistir às propostas de flexibilização das normas
de segurança e proteção ao trabalho construídas ao
longo de décadas.
Essas normas remontam, novamente, ao ano de 1978,
quando foram aprovadas pela Portaria N.°3.214, em 8
de junho. São elaboradas e revisadas em grupos
temáticos e depois nas comissões temáticas
tripartites e têm como 1 dos principais objetivos, a
padronização dos procedimentos de segurança e saúde
do trabalho.
Originalmente eram 36 NRs. Já foram revisadas, por
exemplo, as normas NR1, que fala sobre saúde e
segurança, NR 2, que regulamentava a fiscalização
dos estabelecimentos por um fiscal do trabalho antes
de sua abertura para funcionamento (que foi
revogada), e NR12, que trata da segurança no
trabalho com máquinas e equipamentos.
A alegação apresentada para tais alterações é o
estímulo à economia. Os argumentos escondem,
todavia, que todo o peso da produção de valor recai
nos ombros do trabalhador que, por sua vez, como a
realidade brasileira deixa claro, não compartilha
dos ganhos que permeiam esse processo.
Por fim, neste inusitado contexto de pandemia da
covid-19, escancarou-se a importância do Estado, e
não do mercado, como regulador da sociedade,
contradizendo o discurso liberal que baseou as
políticas reducionistas dos últimos anos. O cenário
da reforma trabalhista não poderia ser pior para o
trabalhador durante a pandemia. Não poderia ser pior
porque enfraqueceu (e praticamente proibiu) a ação
dos sindicatos quando os trabalhadores mais precisam
dele.
Mas, mesmo com todas as dificuldades que
enfrentamos, nós dos sindicatos desempenhamos um
grande papel durante a chamada “coronacrise”,
fortalecendo a relação entre as entidades sindicais
e as suas bases. A presença sindical é
constantemente acionada pelos trabalhadores para
negociar acordos de redução de jornada e salário,
além de protocolos para evitar os malefícios da
pandemia. Isso mostra como os sindicatos são
fundamentais em uma sociedade movida pelo trabalho.
Essa história da luta pela saúde e segurança do
trabalhador, desde 1979 até a atual situação de
retrocessos e retirada de direitos, nos deixa um
alerta. Um alerta que foi muito bem descrito pelo o
ex-senador italiano e jornalista José Luiz Del Roio
para a revista do Centro de Memória Sindical sobre
os 100 anos da greve de 1917. Diz ele: “o que os
trabalhadores conquistaram, eles nunca podem
considerar conquistas definitivas. E se o Estado for
oligárquico, escravocrata, eles estarão sempre
disponíveis a fazer voltar para trás as conquistas
operárias. Sempre! A história está marcada por isso,
sobretudo num país como o Brasil, com uma elite
escravocrata de origem e de mentalidade”.
Álvaro Egea, secretário-geral da Central dos
Sindicatos Brasileiros (CSB)
Canindé Pegado, secretário geral da União
Geral dos Trabalhadores (UGT)
Carmen Foro, secretária-geral da Central
Única dos Trabalhadores (CUT)
João Carlos Gonçalves, Juruna,
secretário-geral da Força Sindical
José Reginaldo Inácio, vice-presidente da
Nova Central Sindical dos Trabalhadores (NCST)
Wagner Gomes, secretário-geral da Central dos
Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB)
Fonte: Agência Sindical - Do Blog de Notícias da CNTI
http://cnti.org.br/html/noticias.htm#Para_dirigentes,_sa%C3%BAde_e_seguran%C3%A7a_no_trabalho_est%C3%A3o_em_risco_
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