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terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Para trabalhadores, não é ‘reforma’ da Previdência. É fim

No post de hoje publicamos artigo escrito por Vitor Nuzzi, publicado no sito eletrônico da CUT (Central Única dos Trabalhadores) alertando para o fato de que a aprovação da PEC 287 vai inviabilizar as aposentadorias dos brasileiros.

Vale a pena conferir:

Para trabalhadores, não é ‘reforma’ da Previdência. É fim

Especialistas alertam que PEC 287 deve inviabilizar aposentadorias

Escrito por: Vitor Nuzzi, na RBA • Publicado em: 20/02/2017 - 12:37 • Última modificação: 20/02/2017 - 18:30 
 

Foto: Jailton Garcia (1992)
Conhecido por apresentar em 2013 um relatório francamente favorável à ampliação da terceirização, o deputado Arthur Maia – na época no SD, hoje no PPS baiano – espera divulgar em meados de março seu parecer sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287, de reforma da Previdência Social. O plano de trabalho na comissão especial foi apresentado em 14 de fevereiro, e prevê oito audiências públicas e seminário internacional.

A guerra começou, como diz o economista Eduardo Fagnani, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “O que está em jogo no Brasil não é um ajuste fiscal, é uma mudança no modelo de sociedade”, afirmou, durante evento organizado pelo Dieese e por nove centrais sindicais, que tentam unir forças para derrubar (como defendem alguns) ou modificar (como tentam outros) a PEC 287. Em comum, todos refutam o argumento central do governo Temer, que fala em necessidade de “reforma” para manter o sistema viável.

Argumentos sempre usados de “déficit” ou “rombo” da Previdência são falsos, diz Fagnani. “O déficit é a parte do governo que, embora prevista na Constituição, não é contabilizada”, afirma. “Não há argumento para dizer que o problema fiscal brasileiro é a Previdência. A estratégica do ajuste fiscal é comprimir o gasto primário.” Já o gasto financeiro, acrescenta, “deixa explodir”.

Para a oposição no Congresso, a PEC tem o sistema financeiro como interessado direto. Assim que Maia foi escolhido como relator, emergiu a informação de que o deputado recebeu contribuições, em sua campanha eleitoral, de bancos e seguradoras – apenas da Bradesco Vida e Previdência, foram quase R$ 300 mil, em 2014. Para o parlamentar, isso nada mais é que uma “ilação maldosa”.

O presidente da comissão especial, Carlos Marun (PMDB-MS), deve conduzir a tramitação da PEC 287 conforme deseja o Planalto sem temer pressões contrárias. Marun já mostrou resistência ao defender, quase solitariamente, o agora ex-deputado Eduardo Cunha antes de sua cassação. “Quem defende Cunha, defende qualquer coisa”, diz um observador.

Ou seja: para combater a PEC, será preciso muita unidade e capacidade de articulação e pressão, diante de um Congresso francamente alinhado ao governo e às reformas, incluindo a trabalhista. Para o diretor técnico do Dieese, Clemente Ganz Lúcio, trata-se de desafio semelhante ao do período pré-Constituinte, em meados dos anos 1980. Ele avalia que o movimento sindical precisa se organizar para evitar “um dos maiores desmontes institucionais e sociais da história”. E as centrais não são contra mudanças, acrescenta, tanto que apresentaram várias propostas em negociações com a equipe de Michel Temer. “O projeto que está aí não nos representa. Queremos uma reforma que dê proteção universal aos trabalhadores, eficaz na cobrança, com sonegação zero, universal e sustentável.”
Protestos
As centrais mandarão representantes a Brasília no dia 21, para conversar com os presidentes da Câmara e do Senado, líderes partidários e com o comando da comissão especial da reforma da Previdência (e também da trabalhista). Em 15 de março, acompanhando uma data já aprovada pelos trabalhadores em educação, haverá um dia nacional de protestos e paralisações contra a 287.
Em meados de janeiro, o Dieese divulgou nota técnica com restrições severas ao projeto do governo, cuja premissa básica é dificultar ou impedir o acesso a benefícios – e reduzir o valor para quem conseguir recebê-los. Tornaria a aposentadoria integral uma “utopia” e, em uma análise mais geral, “favorece o aumento da vulnerabilidade social, da pobreza e das desigualdades no país”. O instituto também identifica favorecimento: “Transparece ainda na proposta um objetivo implícito de fragilizar a Previdência Social e estimular a difusão de sistemas privados de previdência”.

Para obter a aposentadoria integral, pelas regras propostas na PEC, um trabalhador precisaria contribuir durante 49 anos, uma façanha se considerados fatores como rotatividade e informalidade no mercado de trabalho brasileiro. Com base em dados de 2014 da própria Previdência, segundo os quais cada trabalhador pagou em média 9,1 contribuições naquele ano, o tempo aumenta consideravelmente: “Seria necessário esperar 64,6 anos, depois de iniciar a vida laboral, para completar o correspondente a 49 anos de contribuições”.

Suposição irrealista

O instituto destaca que a exposição de motivos da PEC não traz explicação sobre a proposta de mudança do cálculo do benefício. “Tudo indica que o raciocínio utilizado foi: subtrair a idade legal de início de trabalho no Brasil (16 anos) da idade mínima de aposentadoria proposta (65 anos) e fazer com que ao resultado dessa diferença (49 anos) corresponda à aposentadoria integral”, analisa. “A suposição, totalmente irrealista para a realidade brasileira, é que a pessoa trabalhadora contribuiu todos os meses, ininterruptamente, no período entre os 16 e os 65 anos, sem nunca ter ficado desempregada, inativa do ponto de vista econômico, na informalidade (isto é, como autônoma sem contribuição previdenciária) ou na ilegalidade (contratada sem carteira). A suposição do início do período contributivo aos 16 anos também desconsidera o princípio de que, nessa idade, a pessoa ainda deveria estar em processo de escolarização e de formação para o trabalho.”

Mais informações da própria Previdência mostram potencial excludente da proposta governista. Segundo divulgou o jornal Folha de S.Paulo na edição de 12 de fevereiro, 79% das aposentadorias por idade concedidas em 2015 foram para trabalhadores com menos de 25 anos de contribuição, que pela PEC passa a ser o tempo mínimo exigido – o atual é de 15 anos.

Recortes por grupos sociais também atestam que alguns setores sofrerão ainda mais caso as mudanças sejam implementadas. Estudo elaborado por um grupo de trabalho no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) aponta consequências negativas para as mulheres. “Estimamos que cerca de 47% das atuais contribuintes não conseguirão se aposentar, em geral as mais precarizadas, aumentando fortemente a demanda por BPC (benefício de prestação continuada)”, diz o estudo. “Eles sabem disso. Por isso mesmo, estão desvinculando o BPC do salário mínimo”, diz a pesquisadora Joana Mostafa, da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais (Disoc) do Ipea. Para ela, a PEC 287 representa “redução do Estado na proteção social”.
Estabelecer a mesma idade para homens e mulheres na concessão da aposentadoria, como quer o governo, significa uma “mudança radical”, dizem os pesquisadores. “A diferença de idades para homens e mulheres reconhece um maior risco da mulher de se ausentar ou participar menos do mercado de trabalho por força da divisão sexual do trabalho ainda desigual.”

Segundo Joana, que participou do seminário do Dieese, apesar de alguma melhoria nos últimos anos, a desigualdade persiste: com salário equivalente a 70% do recebido pelos homens, as mulheres ainda têm jornada semanal, em média, de oito horas a mais. Em um período de 25 anos de contribuição, isso corresponderia a um acréscimo de 4,5 anos. Ou mais, considerando a informação de que o trabalhador, em média, contribui nove a cada 12 meses – o período aumentaria para 5,4 anos.
Exclusão

No caso dos trabalhadores rurais, a exclusão pode ser ainda maior, segundo Evandro Morello, assessor da Secretaria de Políticas Sociais da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag). Ele estima que a PEC tira a expectativa de mais de 70% dos camponeses de alcançar a aposentadoria. “Isso afeta a economia dos municípios, a produção de alimentos.”
Evandro acredita que a reforma representará um desestímulo à permanência no campo, principalmente para os trabalhadores mais jovens: “O jovem tem de ser muito herói para permanecer no campo e manter-se no processo produtivo da agricultura. Quem vai ficar no campo produzindo alimentos para o Brasil?”, questiona.

Pela proposta do governo, o trabalhador rural passaria a ter uma contribuição individual, em vez da contribuição sobre a venda, como ocorre hoje (artigo 195 da Constituição), algo inviável pela realidade do agricultor, avalia o assessor da Contag.

A PEC também aumenta para 65 anos a idade mínima para aposentadoria – hoje é de 60 anos para os homens e de 55 para as mulheres. Evandro afirma que quase 80% dos homens e 70% das mulheres começam a trabalhar no campo com menos de 14 anos. “Quem vai conseguir alcançar essa idade (65), considerando que é um trabalho penoso?”, questiona.

A rigidez das novas regras poderá fazer com que também os jovens urbanos se sintam pouco atraídos a contribuir para a Previdência, acredita o economista Eduardo Fagnani. “Está se disseminando a ideia de ‘se não vou usar, por que pagar?’”, comenta. Fatores como uma saída do público jovem da base de contribuintes e mudanças nas relações de trabalho que levam à menor formalidade, como a terceirização, podem causar “queda brutal” da receita. Ele lembra que a Previdência é sustentada pelo trabalhador ativo, pela sociedade e “sobretudo pelo governo”, aproveitando para contestar afirmação corrente de que o sistema se torna inviável porque há, progressivamente, menos pessoas na ativa e mais inativos.

Falta diálogo

Quem também contesta os dados do governo é o presidente da Associação Nacional de Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip), Vilson Antonio Romero. “O governo dá uma pedalada na Constituição e faz uma contabilidade criativa”, afirma sobre o falado “rombo” da Previdência.
Segundo ele, com todas as fontes de financiamento previstas para manutenção da seguridade social, o sistema não tem déficit. Mas desde 1994, com a criação do Fundo Social de Emergência, a atual Desvinculação de Receitas da União (DRU), o governo passou a contar com um “instrumento de tunga”, como ele define, citando o uso para outros fins da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), além de renúncias previdenciárias, incluindo desonerações da folha de pagamento e entidades filantrópicas.
Romero concorda que o setor rural é fator de preocupação, mas discorda do ônus para o trabalhador. “Temos de chamar o agronegócio a contribuir.” Outra fonte de recursos estaria na venda de imóveis, que representam anualmente bilhões em manutenção e outras despesas. “A Previdência Social é a maior imobiliária do Brasil. E não aliena isso”, afirma o presidente da Anfip, defendendo ainda aperfeiçoamento do combate à sonegação.

Está faltando diálogo, diagnosticou o diretor da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil, Peter Poschen. Para ele, o debate sobre a Previdência precisa ser aprofundado para que resulte em uma reforma “justa e equilibrada”, já que se trata de um tema complexo e que afetará a atual geração e as próximas. Essa discussão precisa ser feita com todos os agentes sociais e com o maior número de informações. “Nossa percepção é que, nesse sentido, ainda falta muito.”

Sobre a PEC 287, ele vê uma “lógica fiscal, no sentido de conter gastos”, mas afirma que é preciso considerar outros aspectos, inclusive em termos de manutenção da formalidade, para que isso não represente perdas – inclusive fiscais – no futuro. “Isso requer uma decisão da sociedade”, observa o diretor da OIT. Ele considera a Convenção 102 da OIT, ratificada pelo Brasil, “uma boa âncora para o debate” – essa norma trata de critérios básicos para regimes de seguridade social, em relação a contribuições, pagamentos e governança.

Entre os princípios básicos da OIT, está a cobertura universal do sistema, com base na solidariedade social. Um levantamento da organização mostra tendência mundial de expansão da cobertura previdenciária, embora metade dos idosos ainda não receba benefícios. A maioria dos países têm sistemas públicos. Alguns desistiram da privatização. Um dos modelos mais conhecidos, o do Chile, é hoje objeto de questionamento. “Há uma grande discussão sobre o que fazer com o sistema privado, que se tornou impopular”, diz o especialista da OIT Fabio Durán.

Está na PEC 287

• Para a concessão da aposentadoria, será preciso ter pelo menos 65 anos de idade e no mínimo 25 anos de contribuição. A aposentadoria por contribuição será extinta. Atualmente, no regime geral, é necessário ter 65 anos (homens) ou 60 anos (mulheres) e 15 anos de contribuição.

• Está prevista uma regra de transição, para homens com mais de 50 anos e mulheres com mais de 45 anos. Eles teriam de pagar um “pedágio” equivalente à metade do tempo de contribuição que resta para a aposentadoria. Se faltam cinco anos, por exemplo, teriam de trabalhar mais dois anos e meio
• Além do “pedágio”, eles teriam as regras de cálculo para a aposentadoria já alteradas. Assim, em vez da média de 80% dos maiores valores de contribuição, esse trabalhador receberia o equivalente a 51% da média (desde julho de 1994) mais 1% por ano de contribuição. Em um exemplo mais repetido, teria de trabalhar durante 49 anos seguidos para conseguir a aposentadoria integral. Em qualquer caso, perde receita.

• Também cairiam os valores dos benefícios, tanto para servidor vinculado ao RPPS (regime próprio) como para o segurado do RGPS (regime geral). A PEC desvincula benefícios do salário mínimo. Segundo o Dieese, as pensões concedidas com valor de um mínimo correspondiam, em 2015, a 55% do total e por 36% do montante pago.

• O Dieese dá exemplos de uma professora da educação básica e de uma trabalhadora rural com 44 anos de idade na data de promulgação da emenda constitucional (caso a PEC seja aprovada). Nesse caso, elas não serão contempladas pela regra de transição e terão de trabalhar 10 anos a mais: em vez de 11, 21 anos. A proposta suprime diferenças entre homens e mulheres nos critérios de idade e tempo de contribuição.


FONTE: http://cut.org.br/noticias/para-trabalhadores-nao-e-reforma-da-previdencia-e-fim-2015/

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

PREVIDÊNCIA SOCIAL NÃO PRECISA DE REFORMA

Como já ouvimos em vários debates a Previdência Social não precisa de reformas, abaixo transcrevemos artigo escrito por Luiz de Carvalho sobre o tema:

Não faltam recursos e Previdência não precisa de reforma

Para entidade de Auditores Fiscais, suposto déficit utilizado como argumento pelo governo para retirar direitos é um equívoco.

Escrito por: Luiz Carvalho


Agência Brasil

Uma das prioridades do governo ilegítimo de Michel Temer, a Reforma da Previdência Social é mais um passo para acabar com as aposentadorias públicas. A proposta de emenda à Constituição (PEC) 287/16 encaminhada ao Congresso no final de 2016 e que tramita na Câmara busca restringir ao máximo o acesso a esse direito.

Por um lado, a PEC abre espaço para os rentistas financiadores do golpe ampliarem o mercado da previdência privada. Por outro, avança no projeto de diminuição do papel do Estado para que sobrem recursos destinados ao pagamento da dívida pública. Mais uma medida favorável ao mercado financeiro. O próprio relator da proposta na Câmara, Arthur Maia (PPS-BA), recebeu R$ 299.972 em doações da Bradesco Vida e Previdência.

A reforma impacta diretamente quem mais precisa: segundo dados do IBGE, em 2003, 28 milhões de pessoas no Brasil tinham na aposentadoria sua principal fonte de renda. Além disso, segundo a pesquisa A Previdência Social e Os Municípios, em 64% das cidades brasileiras, os benefícios previdenciários de seus habitantes é maior que o Fundo de Participação dos Municípios. Ainda assim, o programa é vendido como um vilão da economia.

A Previdência faz parte da Seguridade Social, um amplo cesto que inclui iniciativas de financiamento da saúde (o SUS – Sistema Único de Saúde – e outras políticas), da assistência social (programas como o Fome Zero, o Bolsa Família e o Brasil Sem Miséria) e do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador). Com a Constituição de 1988, o país adotou a estruturação da Seguridade Social como um direito de todos e estabeleceu que o orçamento viria de receitas obtidas a partir do lucro das empresas: da CSLL (Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido), da Cofins (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social), das loterias e da tributação sobre importações e folha de salários.

A ampliação da cobertura a partir daquele momento trouxe impactos positivos para a redução da desigualdade e da pobreza extrema por meio de programas que ganharam estrutura, profundidade e qualidade. Em 2012, a Previdência Social beneficiou, direta e indiretamente, mais de 90 milhões de brasileiros, de acordo com a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios). Já um levantamento do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) apontou que, entre 2001 e 2011, a Previdência Social contribuiu com 17% para a queda da desigualdade. E mais, no subperíodo entre 2009-2011, pela primeira vez, os rendimentos da Previdência tiveram maior contribuição (55%) que o mercado de trabalho para a queda da desigualdade.

O primeiro desmonte do modelo veio no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), com medidas como a definição de um teto nominal e a introdução da aposentadoria por tempo de contribuição, por idade e o fator previdenciário, que achataram o valor médio dos benefícios. As medidas trocaram ainda o tempo de trabalho pelo de contribuição, reduziram o número de aposentados e retardaram o acesso ao direito, com prejuízos especialmente para os mais pobres que começam a trabalhar cedo.

Em janeiro do ano passado, o vice-presidente de Seguridade Social da Anfip (Associação Nacional dos Auditores Fiscais), Décio Bruno Lopes, disse em entrevista ao Portal da CUT que a reforma é desnecessária se o objetivo for o financiamento do sistema.

Um estudo da associação mostra que mudanças justificadas com base na receita não partem de dados reais. Com base na arrecadação de 2010 a 2014, a Anfip aponta que a Seguridade Social teve superávit que varia entre R$ 63,2 bilhões e R$ 53 bilhões (veja tabela abaixo) e, destaca Lopes, deixa o discurso da reforma como resposta ao lobby da privatização.

Da mesma forma que a CUT defendeu no Fórum Nacional da Previdência, em 2013, o dirigente da Anfip acredita que as possíveis mudanças devam ser medidas que não demandem diminuição de direitos, como uma idade mínima para aposentar, e precisam tratar da cobrança dos maiores devedores, a garantia de que o orçamento da Seguridade Social seja utilizado somente para o financiamento do sistema e que as isenções concedidas pelo governo a diversos setores sejam cobertas pelo Tesouro.

Confira abaixo a entrevista.

Apesar de fazer parte de um orçamento que a Anfip aponta como superavitário, a Previdência, isoladamente, é deficitária. Com o crescimento da expectativa de vida, ela não pode trazer a seguridade para ‘baixo’ e deixá-la deficitária?
Décio Lopes – Ao se falar em déficit da Previdência considera-se apenas as contribuições incidentes sobre a folha de pagamentos e as substitutivas da folha (empregador rural pessoa física e jurídica, agroindústria, SIMPLES, micro empreendedor individual – MEI), sem levar em conta as renúncias fiscais promovidas pelo governo, tais como o Sistema SIMPLES, a desoneração da folha de pagamentos, a inexistência de contribuição incidente sobre a comercialização da produção rural ao exterior, ainda que esta seja uma contribuição substitutiva da contribuição incidente sobre a folha de pagamentos.

Assim, o déficit da Previdência Social leva em consideração apenas a arrecadação previdenciária, deixando de considerar as renúncias e desonerações, cujos valores deveriam ser somados aos valores arrecadados para efeito de comparação, além de desconsiderar as demais receitas da Seguridade Social, na qual a Previdência Social se encontra inserida. O que se fala de déficit da Previdência decorre da diferença entre o valor da arrecadação da área rural e o valor dos respectivos benefícios pagos, que, em 2014 somaram a cifra de aproximadamente R$ 82 bilhões (arrecadação de R$ 6,7 bi e benefícios de R$ 88,7 bi). Na área urbana, ao longo dos anos, o valor da arrecadação previdenciária tem superado o valor dos benefícios, cujo superávit no exercício de 2014 foi de R$ 27,3 bi (arrecadação de R$ 330,8 bi e Benefícios de R$303,5 bi).

Além disso, com a desvinculação das receitas da União (DRU), 20% de todas as receitas da seguridade social, exceto das contribuições sobre a folha de pagamentos, são utilizados pelo governo para pagamentos de gastos gerais (em especial da dívida pública), cujo valor em 2014 foi da ordem de R$ 63 bilhões, tendo somado mais de R$ 180 bilhões nos anos de 2012 a 2014. Como se não bastasse, o governo pretende prorrogar a DRU até 2023 com aumento do percentual para 30% conforme Proposta de Emenda à Constituição – PEC nº 87/3015.

O senhor acredita que é possível manter as regras atuais?
Lopes  Entendemos que sim, desde que o governo acabe com as renúncias fiscais e as desonerações sejam em valores compatíveis com a necessidade de financiamento da Previdência Social. Em complemento, outras fontes de custeio, mesmo sem aumento da carga tributária, deveriam ser destinadas à Previdência Social, a exemplo das cotas de Previdência previstas na legislação anterior à Constituição Federal de 1988.

Ainda, outras fontes de custeio poderão ser instituídas para sua manutenção, nos termos do disposto no §4º do artigo 195 da Constituição de 1988. Deve-se observar à risca, o princípio da precedência do custeio (art. 195, §5º da CF/88), segundo o qual, nenhum benefício ou serviço da Seguridade Social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total, princípio este que já estava previsto para a Previdência desde a Constituição de 1946 (Art. 167, §2º).

Quanto ao tempo, este dependerá das reais intenções do governo presente e dos governos vindouros em manter uma Previdência Social forte, como maior distribuidora de renda do país e financiada pelos próprios trabalhadores e empregadores. Ou desmoraliza-la e enfraquecê-la com o discurso de que o déficit público tem seu principal ingrediente no descontrole das contas da Previdência. Tal discurso já vem desde a década de 1980, talvez, como forma de dar satisfação a organismos internacionais e aos meios econômicos interessados nessa fatia de recursos que seriam destinados à Previdência privada, restando à Previdência pública apenas um mínimo existencial. Tal fato parece ter motivado todos os governos, após a Constituição de 1988, terem em suas pautas a Reforma da Previdência.

A Anfip defende algum outro modelo de financiamento da Previdência ou o atual é eficiente?
Lopes – A Anfip entende que o modelo atual de financiamento é factível, necessitando de vontade política para correção das distorções, entre elas as já citadas, além de melhoria nos sistemas de arrecadação e fiscalização, como forma de evitar a sonegação e a evasão fiscal e promover a efetividade da arrecadação, como a revisão de alíquotas inadequadas de contribuição (por exemplo, 5% do salário mínimo para dona de casa e para o MEI, que terão direito a benefício no valor de um salário mínimo).

Outra questão que não parece estar entre os debates reformistas é o prazo de decadência/prescrição para notificação e cobrança das contribuições previdenciárias, que deixou de ser 30 anos (Lei nº 3.807/60 – LOPS e legislação subsequente) para ser de 10 anos (artigo 45 da Lei nº 8.212/91) e, posteriormente, de 5 anos, conforme prevê o Código Tributário Nacional (CTN) após a declaração de inconstitucionalidade do artigo 45 da Lei nº 8.212/91.

A Previdência Social não pode conviver com esse descompasso entre a obrigação de pagar um benefício contando com as contribuições de 15, 30 ou 35 anos. Contribuições essas que não puderam se efetivar por perda do direito de lançá-las após 5 anos de inadimplência, apenas por falta de uma lei complementar, que trate o assunto diferentemente de como faz o  CTN.

O senhor acredita que a fórmula 85/95 válida hoje seja o melhor mecanismo ou defende outro modelo?

Lopes – Uma vez que tenha existido o custeio prévio, a Anfip sempre defendeu um modelo de previdência que não traga prejuízo ao trabalhador. Por isso, sempre foi contrária ao fator previdenciário que tira do trabalhador, ao aposentar, uma parcela considerável do benefício, prejudicando, principalmente aqueles que entraram mais cedo no mercado de trabalhar.

A fórmula 85/95, ao manter o fator previdenciário original, possibilitou ao trabalhador exercer a opção por requerer um benefício com redução ou aguardar o momento para obter o benefício sem redução. Essa modalidade de cálculo da aposentadoria por tempo de contribuição acabou por estabelecer um limite de idade, que somado ao tempo mínimo de contribuição de 30 anos para mulher ou 35 anos para homem, integralizem a fórmula 85/95.

Ocorre que, ao estabelecer a progressividade da fórmula até o patamar de 90/100, a lei acabou por dificultar ao segurado a obtenção da aposentadoria sem redutor, dificuldade esta que poderá até impedir ao trabalhador de certas regiões do Brasil de usufruir de tal benefício, haja vista a expectativa de vida nessas regiões, além das dificuldades de inserção no mercado de trabalho.

Por que o senhor acredita que a desoneração da folha de salários foi um erro?

Lopes – A opção pela desoneração foi uma decisão do governo em atendimento aos reclamos do meio empresarial e como meio de incrementar a empregabilidade. Entretanto, tal medida se fez com o estabelecimento de alíquotas módicas sem levar em consideração cálculos atuais que apontassem os verdadeiros números necessários para atender a necessidade de financiamento dos benefícios previdenciários.

Além disso, a falta de repasse dos valores integrais de arrecadação acarreta o incremento de suposto déficit da Previdência Social e com isso a justificativa para novas reformas. A transparência na apresentação dos reais valores devidos com a desoneração poderá evitar distorções nos resultados apresentados.
Fonte: transcrito do sitio da CUT (Central Única dos Trabalhadores) http://cut.org.br/noticias/nao-faltam-recursos-e-previdencia-nao-precisa-de-reforma-6690/

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Governo quer privatizar o FAT, alerta CUT


Recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador podem parar nos cofres dos bancos privados


Foto: Roberto Parizotti

Passa pelos planos do governo federal, liberar os recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) para que possam ser acessados pelos bancos privados. A medida significa a “privatização do FAT”, afirma o conselheiro do Codefat e secretário de Administração e Finanças da Central, Quintino Severo.

De acordo com o dirigente, a medida, que só pode ser implementada através de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), deve impactar o acesso da classe trabalhadora ao seguro desemprego ou mesmo o direcionamento dos recursos para a geração de emprego e renda às empresas.

“Esse serviço é uma exclusividade dos bancos públicos, em especial da Caixa. Não é difícil de imaginar que os bancos privados cobrem uma taxa para que o trabalhador acesse ao seguro desemprego, ou que o trabalhador não tenha que comprar um produto do banco para acessar ao abono salarial”, afirmou Quintino Severo.

Segundo o jornal Folha de S. Paulo, o governo entende que “a iniciativa amplia a concorrência” entre os bancos. A tese é rebatida pelo dirigente Cutista, para quem “o banco público tem que ter uma política diferenciada”, Confira a entrevista na íntegra:

CUT: O governo pensa em liberar os recursos do FAT aos bancos privados sem passar pelo BNDES. O que significa essa medida?

Quintino Severo: Hoje, somente os bancos públicos e o BNDES podem contratar e operar os recursos do FAT. Essa proposta do governo visa destinar esses recursos públicos para os bancos privados. Essa proposta significa privatizar o FAT e consequentemente acabar com o Conselho do FAT, que é o colegiado que faz o gerenciamento desses recursos públicos tão importantes na geração de emprego e renda no Brasil, além de pagar o seguro desemprego e o abono salarial. Então, me parece que precisamos responder a essa iniciativa de forma muito dura, para evitarmos que esses recursos passem para as mãos da iniciativa privada. A meu ver, será o descontrole dos recursos do FAT, priorizando e privilegiando os bancos privados desse País.

CUT: Uma das prioridades do governo é liberar a concorrência. Não é um contrassenso colocar os bancos públicos para concorrerem com os bancos privados?

Quintino Severo: Não é possível colocar os bancos públicos no mercado com os bancos privados e deixar que o mercado determine quem vai sobreviver. Ao contrário, o banco público tem que ter uma política diferenciada. É uma contradição achar que liberar recursos direto para os bancos privados vai fazer com que aumente a concorrência, isso só vai prejudicar os bancos públicos.

CUT: Na ponta, onde o trabalhador vai sentir os efeitos dessa medida? É na hora da contratação dos benefícios como o seguro desemprego?

Quintino Severo: Exatamente, vai sentir na hora que for contratar os serviços. No momento em que os bancos privados acessarem esses recursos, poderão oferecer o pagamento de seguro desemprego e abono salarial aos trabalhadores. Esse serviço é uma exclusividade dos bancos públicos, em especial da Caixa. Não é difícil de imaginar que os bancos cobrem uma taxa para que o trabalhador acesse ao seguro desemprego, ou que o trabalhador não tenha que comprar um produto do banco para acessar ao abono salarial. Temos muitas restrições à essa medida.

CUT: Como fica, em sua opinião, os recursos do BNDES que são destinados à geração de emprego e renda? Sai das mãos do governo o gerenciamento desses recursos?

Quintino Severo: A micro e pequena empresa que precisa de mais recursos para investir será prejudicada. Quem vai sair ganhando é o sistema financeiro. Hoje, por exemplo, 40% das receitas do FAT está no BNDES exatamente para gerar emprego e renda. Isso vai desaparecer. Sobre o destino, deixa de ser opção do governo e passa a ser uma decisão a ser tomada pelo mercado. Então, essa medida faz com que a sociedade perca o controle de onde serão investidos os recursos públicos. Hoje, o Condefat quem determina onde o dinheiro irá investir e temos optado por destinar os recursos para o pequeno empreendedor e para as empresas que mais precisam, que é onde a sociedade sente o retorno mais rápido.

CUT: O Condefat pode impedir essa medida?

Quintino Severo: Isso seria decidido via PEC, no Congresso. A sociedade pode, e deve, pressionar os parlamentares e debater esse tema, para que as regras não mudem. É papel do Conselho estimular esse debate.

Escrito por: Igor Carvalho • Publicado em: 03/02/2017 - 16:57 • Última modificação: 03/02/2017 - 17:33 - publicado no sítio eletrônico da CUT (Central Única dos Trabalhadores) - http://cut.org.br/noticias/governo-quer-privatizar-o-fat-alerta-cut-6cb6/