Maria
Lucia Fattorelli, coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida,
membro da Comissão Brasileira Justiça e Paz (CBJP) da CNBB e
coordenadora do Observatório de Finanças e Economia de Francisco e Clara
da CBJP..
“Até quando vão repetir a
mentira do déficit da Previdência?” – A Previdência Social é o
principal instrumento de proteção social que existe no Brasil,
garantindo a aposentadoria para trabalhadores e trabalhadoras que
cumprem as regras vigentes, ou são acometidos por invalidez, garantindo
ainda pensão por morte a familiares e distintos auxílios em caso de
doença, acidente de trabalho, velhice, maternidade, morte ou reclusão.
Apesar
de sua importância para quase 40 milhões de beneficiários em todo o
país, os valores desses benefícios previstos no Regime Geral de
Previdência Social (RGPS) e pagos pelo Instituto Nacional de Seguridade
Social (INSS) ainda são extremamente reduzidos e insuficientes, e todo
esforço deveria estar sendo feito para avançar no sentido de ampliá-los.
Em
vez disso, a Previdência Social tem sido alvo de sucessivos ataques,
contrarreformas e até ameaças de privatização que visam submeter toda a
classe trabalhadora aos interesses do mercado financeiro, em regimes de
capitalização que já deram errado para as pessoas e para as contas
públicas em todas as partes do mundo onde foram implantados, garantindo
lucros exorbitantes somente aos bancos.
A principal justificativa
para os constantes ataques à Previdência Social tem sido a repetição da
mentira de que existiria um “déficit” em suas contas, dando a impressão
de que seria insustentável manter os direitos conquistados e, por isso,
seriam necessárias contrarreformas que reduzem, adiam ou suprimem
direitos, prejudicando a classe trabalhadora em sua fase mais crítica de
vida, após anos de dedicação ao trabalho, construindo tudo que a
sociedade tem acesso.
Mentira recorrente, o déficit da Previdência
tem sido repetida por governantes, grande mídia, instituições
financeiras interessadas em vender seus planos privados de capitalização
etc., e até mesmo em publicações oficiais do Tesouro Nacional, a
exemplo da recente divulgação de dados do primeiro semestre de 2023,
onde se afirma que “no período de janeiro a junho de 2023, a Previdência
Social (RGPS) registrou déficit de R$ 165,8 bilhões (a preços de
jun/23)”.
A conta que fazem para chegar a esse falacioso “déficit” afronta o que determina a Constituição Federal!
O
conjunto de benefícios garantidos pela Previdência Social, juntamente
com demais ações das áreas de Assistência Social e Saúde, conformam a
Seguridade Social, tratada no Capítulo II da Constituição Federal,
artigos 194 a 204, onde está explicitamente registrada a manutenção
financeira desse sistema por toda a sociedade, de tal forma que, além do
próprio governo (com recursos do orçamento geral), todas as empresas,
trabalhadores, demais segurados e consumidores de bens e serviços também
pagam contribuições destinadas à manutenção da Seguridade Social.
Verificando-se
os dados disponibilizados pelo governo, o cálculo do anunciado
“déficit” foi obtido mediante a simples comparação entre a arrecadação
própria do INSS no período de janeiro a junho/2023 (valor bruto de R$
289,89 bilhões referente ao total arrecadado pela Previdência Social no
período), menos o total de benefícios previdenciários pagos no mesmo
período (R$ 440,23 bilhões), além de alguns ajustes (restituições,
ressarcimentos, devoluções etc.), resultando em saldo negativo de R$
164,98 bilhões.
O valor divulgado pelo Tesouro Nacional, de R$
165,8 bilhões corresponde ao resultado de R$ 164,98 bilhões ajustado
pelo IPCA em valores de junho/2023.
O déficit da Previdência é
falacioso, pois considera apenas as contribuições ao INSS e ignora todas
as demais contribuições destinadas ao financiamento da Seguridade
Social, que no mesmo período superaram R$ 260 bilhões (sendo R$ 137,04
bilhões referente à Contribuição para o Financiamento da Seguridade
Social (Cofins); R$ 40,39 bilhões à Contribuição ao Programa de
Integração Social PIS e ao Pasep, e R$ 84,07 bilhões referente à
Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL), deixando de
considerar também a obrigatoriedade de o governo destinar outras verbas
orçamentárias para a manutenção da Seguridade Social, conforme disposto
no Art. 195 da Constituição Federal.
Portanto, não há que se falar
em “déficit” da Previdência, que está inserida na Seguridade Social e
tem múltiplas fontes de financiamento além da contribuição ao INSS, que
tem sido computada como se fosse a única fonte destinada à manutenção da
Previdência Social.
É muito importante detalhar essa situação e
deixar claro que não existe o falacioso “déficit” da Previdência, em
especial no momento atual, em que a Reforma Tributária que tramita no
Congresso Nacional (PEC 45/2019), comentada em recente artigo extingue
as contribuições sociais Cofins e PIS, e cria nova contribuição
denominada Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), com o mesmo fato
gerador do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços, que irá substituir o ICMS
estadual e o ISS municipal), o que indica risco de demandas judiciais e
indefinições quanto à garantia de manutenção da Seguridade Social.
A
ausência do devido debate durante a açodada votação da PEC 45 na
Câmara, assim como a falta de estudos técnicos e jurídicos que assegurem
a manutenção da Seguridade Social e dos entes federados não pode se
repetir no Senado, que esperamos atue com mais responsabilidade sobre
tema tão fundamental para o povo brasileiro, e explicite de uma vez por
todas que não há que se falar em “déficit” da Previdência.
Por Maria Lucia Fattorelli,
coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida, membro da Comissão
Brasileira Justiça e Paz (CBJP) da CNBB e coordenadora do Observatório
de Finanças e Economia de Francisco e Clara da CBJP.
FONTE: Agência Sindical