São Paulo – Entregue nesta quinta-feira (15) ao presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a primeira edição do Atlas Brasileiro da Reciclagem
mostra que, mesmo com a informalidade e a falta de políticas públicas,
os catadores de materiais recicláveis conseguem reaproveitar um volume
muito maior de resíduos sólidos do que mostram os dados oficiais. De
acordo com o estudo, realizado a partir de pesquisas como a Cataki,
divulgada neste ano, a coleta feita por trabalhadores autônomos escapa à
quantificação formal da coleta realizada ou gerida pela gestão
pública.
A situação, contudo, é um desafio tanto para dimensionar
a recuperação de resíduos, quanto para garantir direitos. Os catadores
de materiais recicláveis, embora façam um trabalho até mais abrangente
do que as próprias políticas públicas de limpeza urbana, estão mais
sujeitos à precarização e à exploração.
A conclusão faz parte de
uma nota técnica incluída no atlas. O estudo é uma realização da
Associação Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (Ancat), com
apoio técnico do Observatório da Reciclagem Inclusiva e Solidária
(Oris).
Lançado nesta semana na Expocatadores, em São Paulo, o
estudo é o maior banco de dados sobre o tema no país. O objetivo, de
acordo com a organização, é que o atlas seja um instrumento para o
desenvolvimento da reciclagem no país.
Longe do real
“Entendemos
que não dá mais para a gente fazer políticas de resíduos sólidos
baseadas na informação daqueles que vivem de transportar lixo e enterrar
lixo. E que estão sempre falando que a reciclagem no Brasil é de apenas
3%”, diz Jacqueline Rutkowski, da Oris.
“Quando observamos o
trabalho dessas pessoas que estão aqui (catadores) e tudo que vai para a
indústria sendo reciclado, sabemos que isso não é verdade. E a gente
espera que o atlas possa pôr luz nessa questão e embasar as políticas
que vão alavancar a reciclagem. E que temos certeza que o governo do
presidente Lula fará”, disse. Jacqueline é uma das coordenadoras do
levantamento e participou da entrega do Atlas Brasileiro da Reciclagem ao futuro presidente.
Os
pesquisadores explicam também que a falta de dimensão sobre o tamanho
na reciclagem no Brasil fica evidente, por exemplo, no registro da
coleta feita pelas municipalidades com caminhões. Embora a Política
Nacional de Resíduos Sólidos trate da obrigatoriedade da coleta
seletiva, apenas 23% dos municípios brasileiros respeitam. E a avaliação
é que qualquer quantificação de volume de coleta pela gestão pública
seja subestimado “devido ao desvio de materiais para a reciclagem
informal”. Isso porque diversos catadores que atuam nas ruas passam
antes do caminhão da coleta convencional e ou seletiva.
“Este
‘desvio’ de materiais recicláveis deságua em ferros-velhos e outros
sucateiros espalhados pelos territórios, fazendo com que o volume
coletado pelas prefeituras seja menor e, por conseguinte, o que chega
aos galpões das cooperativas e associações. Um cenário que permite
inferir que as taxas de reciclagem desenvolvidas a partir exclusivamente
do que é coletado por municipalidades, ou seja, a coleta pública, não
dá conta de estimar o real volume e o valor da reciclagem nas cidades
brasileiras”, observa o estudo.
A falta que faz as políticas públicas
De acordo com o Atlas Brasileiro da Reciclagem,
o caso brasileiro mostra a necessidade de estratégias para inclusão de
autônomos nas políticas públicas de coleta seletiva. A catação no
Brasil, além do papel ambiental, é uma fonte de emprego e renda para a
população em situação de rua e que tem baixa escolaridade.
Uma
amostragem de cerca de 10% dos catadores organizados em cooperativas e
associações (ACs), distribuídas em 23 estados, indica, por exemplo, 8,8%
dos trabalhadores não foram alfabetizados. A maioria deles, 45,8%, têm o
ensino fundamental incompleto e apenas 18% completo. Apenas 25%
cursaram o ensino médio e somente 2,4% tiveram acesso ao ensino
superior. Sendo que somente 1,3% completaram essa etapa. A remuneração
média dos catadores associados/cooperados encontrada foi de R$1.392,91.
Mas, no caso dos trabalhadores informais, a remuneração é frequentemente
inferior ao salário mínimo brasileiro, atualmente de R$ 1.212.
“Levantar
informações que possibilitem o reconhecimento da importância da
categoria informal deve levar a ações para a redução da precariedade
vivida pela maioria dos trabalhadores que atuam no setor da reciclagem
como um todo. O nível de precarização do trabalho é também uma lacuna
importante de informação, que precisa ser medida e identificada para se
construir meios de sua superação. A contribuição relacionada à
capacidade do setor informal de aumentar a reciclagem precisa dialogar
com ações diretas e efetivas para reduzir a precarização a que estão
submetidos os trabalhadores do setor”, indicam os pesquisadores.
Entre o formal e o informal
A
nota técnica também mostra que a permanência como informal aumenta a
vulnerabilidade do catador com relação à repressão do Estado. Seja na
realização de sua atividade ou no acesso aos materiais. Sem um cadastro
geral ou formalizado em cooperativas ou associações, eles ficam à mercê
de fiscalizações. E há municípios que aplicam multas em trabalhadores
que coletam materiais em locais que seriam proibidos. Os custos para se
formalizar hoje também são uma barreira para o trabalhador autônomo.
Segundo
o atlas, a cidade de São Paulo, em 2019, recolheu apenas 10% dos
resíduos recicláveis coletados pelo sistema oficial. A maioria, 90%
deles, foram para a reciclagem pela ação dos catadores autônomos. Eles
atuam tanto nas ruas como nos lixões ainda existentes no Brasil. Em
2010, o Censo Demográfico do IBGE identificou 398.348 pessoas que se
autodeclararam catadores no país. Dados do IBGE (2001) informavam a
existência de 24.340 catadores nas unidades de disposição final de
resíduos no Brasil. Sendo 22% destes com idade inferior a 14 anos.
Estima-se
que este número esteja subestimado, pois muitos municípios podem deixar
de declarar tal situação por infringir a legislação.
Você pode conferir o Atlas Brasileiro da Reciclagem completo, clicando aqui.
FONTE: Clara Assunção | RBA