Apesar dos avanços tecnológicos uma parte expressiva da classe trabalhadora mundial ainda cumpre jornadas superiores a 48 horas semanais, enquanto outra proporção se encontra em condições de subemprego, trata-se de jornadas insuficientes que não asseguram sequer a própria sobrevivência.
por Marilane Oliveira Teixeira
É inegável a relevância do debate sobre a jornada de
trabalho para a organização da vida social uma vez
que a distribuição do tempo é um dos problemas
centrais de todas as sociedades.
Os tempos são recorrentemente transformados pelas
mudanças econômicas, sociais e culturais, mas tais
mudanças não se processam unicamente na esfera
produtiva com o controle da extensão, distribuição e
intensidade da jornada relativa ao trabalho
remunerado, mas na forma como o trabalho reprodutivo
está organizado e como mulheres e homens distribuem
o seu tempo entre essas duas dimensões de forma
articulada entre si.
Apesar da grande capacidade do capitalismo em
transformar as condições de trabalho, ele não foi
capaz de eliminar a necessidade de um tempo
necessário para a reprodução social de mulheres e
homens.
A primeira norma internacional que trata da jornada
de trabalho é de 1919, mas foi em 1935 que a OIT
recomendou a adoção da jornada de 40 horas semanais
como um padrão social a ser alcançado, naquele
momento o mundo vivia as adversidades da segunda
guerra mundial e a taxa de desemprego estava em
alta, passados mais de 75 anos apenas 15 países a
ratificaram.
Atualmente se discute a semana de quatro dias em
várias partes do mundo, contudo, na maioria dos
países da América Latina os dados mostram que as
horas trabalhadas em atividades remuneradas sofreram
pouco ou nenhuma alteração nas últimas décadas e as
mudanças tem avançado em outra direção: jornadas
mais diversificadas, descentralizadas e
individualizadas.
A característica comum a estas novas modalidades que
se intensificam na era neoliberal é a corrosão de
formas de emprego institucionalizadas próprias da
organização da produção industrial em que se
distinguia claramente local de trabalho e casa,
tempo de trabalho e tempo livre, trabalho remunerado
e trabalho não remunerado. A erosão de tais
fronteiras é um processo fundamentalmente facilitado
pelas novas tecnologias de informação e comunicação
e pelas políticas neoliberais que colocam a
discussão sobre o tempo social em um outro patamar
uma vez que a disputa sobre o uso do tempo é um dos
principais embates da classe trabalhadora neste
último século.
Apesar dos avanços tecnológicos uma parte expressiva
da classe trabalhadora mundial ainda cumpre jornadas
superiores a 48 horas semanais, enquanto outra
proporção se encontra em condições de subemprego,
trata-se de jornadas insuficientes que não asseguram
sequer a própria sobrevivência.
Por outro lado, o declino do trabalho na indústria e
a expansão da participação relativa da ocupação no
setor de serviços segue como uma tendência desde
primeira revolução industrial e dadas as
características deste segmento que combina
diferentes arranjos sobre o uso do tempo, o debate
mais geral na sociedade sobre a redução da jornada
de trabalho também se complexifica. Em vários países
da América Latina a redução da jornada de trabalho
ganhou centralidade na agenda política e sindical
nos anos de 1980 sendo progressivamente esvaziado
pela despadronização da jornada de trabalho em
vários setores econômicos e pela ampliação de
contratações atípicas como pessoas jurídicas,
autônomos, trabalho por conta própria, dentre
outras.
Além disso, os desdobramentos da revolução
tecnológica têm potencial para substituir uma
parcela significativa da força de trabalho, conforme
indicam estudos da OIT. Embora a discussão sobre
possibilidades de os empregos serem automatizados
esteja mais presente nos países desenvolvidos, os
seus efeitos evidentemente podem alcançar o conjunto
das economias uma vez que as cadeias globais de
valor estão em mãos de poucas empresas.
Evidentemente que são considerados vários aspectos
na definição ou não pela automação, trata-se de
considerações de caráter técnico, mas também
econômico, como os custos da força de trabalho,
investimentos em tecnologia e países com custos de
mão de obra baixos a possibilidade de transferir
processos manuais para robôs é reduzida.
A redução da jornada de trabalho nos parece a resposta mais adequada diante de uma sociedade que tende a absorver cada vez menos trabalho vivo. As tecnologias sempre eliminaram empregos absorvidos pelos novos investimentos, atualmente as novas fronteiras de investimentos já não mobilizam a capacidade produtiva na intensidade em que precisa gerar trabalho, além de dissolver padrões de trabalho tradicionalmente associados as ocupações. Reduzir o tempo de trabalho necessário é a única forma de enfrentar os problemas estruturais do trabalho no capitalismo.
Quando se analisa a potencialidade do debate sobre a
redução da jornada de trabalho é fundamental que se
considere os seguintes aspectos: as tendências de
flexibilização estão presentes desde os anos de 1970
e com mais vigor em nossos países a partir dos anos
de 1980 e 1990 e são respostas ao processo cada vez
mais intenso de integração de nossas economias a uma
lógica de inserção internacional e construção de um
determinado padrão de relações de trabalho baseado
na competitividade espúria em que busca obter
vantagens comparativas com base na redução dos
custos do trabalho, na flexibilização e na retirada
de direitos. A informalidade no Brasil responde por
mais de 50% das ocupações.
O segundo aspecto é apresentar uma saída para o
problema estrutural de falta de trabalho. Dadas as
inovações tecnológicas poupadoras de trabalho, o
simples crescimento econômico – apesar de ser uma
condição necessária – não é suficiente para gerar
postos de trabalhos decentes a toda força de
trabalho disponível. É crucial garantir trabalho a
todas as pessoas e que estes trabalhos sejam
reconhecidos como relevantes socialmente para o
coletivo da comunidade e não fiquem restritos ao
circuito de acumulação capitalista.
Portanto, é fundamental recolocar a centralidade da
redução da jornada de trabalho como forma de gerar e
distribuir empregos para todas as pessoas. Os
avanços tecnológicos permitem tecnicamente reduzir a
jornada de trabalho e, como sempre ocorreu na
história do capitalismo, a questão é política e
ideológica. A defesa da redução da jornada poderia
estar associada ao debate mais geral sobre a
distribuição do tempo entre o trabalho e
não-trabalho e na própria distribuição das
responsabilidades familiares por todos os seus
membros.
Portanto, trata-se de um debate político e deve ser
abordado como uma estratégia para resolver os graves
problemas de emprego, uma resposta política ao
problema da pobreza, da desigualdade e da
precariedade que afeta a maioria da classe
trabalhadora. Ampliar o tempo livre para que as
pessoas podem ter uma vida digna e com qualidade.
*A autora é economista, doutora em
desenvolvimento econômico e social, pesquisadora e
assessora sindical.
Fonte: Radio Peão Brasil - Do Blog de Notícias da CNTI
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