A proliferação dos focos de queimadas em áreas rurais por todo o território nacional e o anúncio de que São Paulo passou a liderar o ranking das cidades com o ar mais poluído do mundo colocaram a questão ambiental no centro do debate público no Brasil. Depois da tragédia no Rio Grandes do Sul com as fortes chuvas, as mudanças climáticas põem em xeque, mais uma vez, o modo de produção do agronegócio.
Uma partícula tóxica com diâmetro de 2,5 micrômetros ou menos, conhecida como MP2,5, é o principal poluente. Com um tamanho muito pequeno, essa substância penetra no sistema respiratório e chega à corrente sanguínea. Esse agente químico aumenta os riscos de doenças cardíacas, pulmonares e vasculares, como o Acidente Vascular Cerebral (AVC).
Não é uma exclusividade da cidade de São Paulo. Respira-se um ar poluído em todas as regiões do País. Levantamento aponta que a média anual da partícula tóxica MP2,5 no Brasil é de 9,9 microgramas por metro cúbico (µg/m³), o dobro do limite estabelecido pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
A associação das queimadas no interior com a péssima qualidade do ar nas capitais acendeu um sinal amarelo e conectou o que se passa no campo com a piora da qualidade de vida nas grandes cidades. Não dá mais para ignorar que respirar um ar poluído e seco nas áreas urbanas – que causa doenças na garganta, no sistema respiratório e sinusite – está relacionado à exploração capitalista acelerada e sem controle dos recursos da natureza.
O Brasil vive sob a hegemonia do modo de produção do agronegócio desde o final dos anos 90. O casamento do capital financeiro internacional e das empresas transnacionais com o latifúndio expandiu a monocultura de commodities para exportação. O avanço da fronteira agrícola e das áreas de pastagens sobre florestas e campos naturais sacrificou 514 mil quilômetros quadrados de áreas verdes de 2000 a 2020. Esse território equivale a 6% do território, que corresponde à soma do tamanho de São Paulo, Rio, Paraná e Sergipe.
Com a diminuição das áreas verdes, foi reduzida a capacidade de absorção de dióxido de carbono (CO 2) da atmosfera. Além disso, a própria derrubada e/ou queimada das florestas liberam o carbono absorvido pelas árvores na forma de CO 2, um dos principais gases de efeito estufa que contribui para o aquecimento global.
A expansão do agronegócio da soja, milho, cana-de-açúcar, algodão e pecuária intensificou a crise das mudanças climáticas. O fogo é o primeiro ato de um processo que leva à elevação das temperaturas e à mudança do ciclo das chuvas e da seca, criando o ambiente para o descontrole das queimadas que o País vive atualmente. Ou seja, nos próximos anos, os períodos de seca serão maiores e os focos de incêndios ainda mais numerosos.
O uso do fogo na agricultura não é uma novidade. Essa é uma prática antiga em algumas áreas rurais para “limpar” terrenos e preparar a terra para o plantio. No entanto, sob a lógica da reprodução ampliada do capital, as queimadas se tornaram num instrumento para expandir a fronteira agrícola de forma acelerada e contínua para a reprodução do sistema.
As queimadas criminosas para a abertura das áreas para a pecuária e a monocultura da soja conferem maior celeridade e segurança aos autores, uma vez que o sistema por satélites de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), tem maior dificuldade para identificar o desmatamento em focos de incêndios.
As consequências das mudanças climáticas são cada vez mais graves e afetam um número cada vez maior de pessoas no Brasil e no mundo. A ocorrência de fortes chuvas como as do Rio Grande do Sul em maio e a poluição do ar em grandes cidades como São Paulo demonstram que ninguém está alheio à marcha insana da destruição ambiental.
O governo Lula tomou até agora iniciativas muito tímidas em relação às queimadas. Nenhuma delas tocou na raiz do problema. Não é possível enfrentar a crise climática e evitar novas tragédias sem controlar, regular e limitar o agronegócio, quebrando a lógica de acumulação capitalista que leva à ampliação da fronteira agrícola para sustentar as grandes cadeias globais do sistema alimentar.
Igor Felippe Santos, Jornalista e analista político com atuação nos movimentos populares. É apresentador do podcast Três por Quatro, do Brasil de Fato.
FONTE: Agência Sindical
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