PL 4.962/2016: matéria deve ser rejeitada sob pena de aniquilamento de direitos e garantias da classe trabalhadora
O advogado e membro do corpo técnico do DIAP, Hélio
Gherardi, produziu parecer jurídico no qual analisa os graves e sérios
prejuízos caso seja aprovado o PL 4.962/2016, do deputado Julio Lopes
(PP-RJ), que trata da flexibilização temporária da jornada de trabalho e
do salário mediante acordo coletivo de trabalho.
Boa leitura!
PARECER
Projeto de Lei nº 4.962/2016
Deputado Julio Lopes (PP-RJ)
O Projeto de Lei nº 4962/2016, apresentado pelo Deputado Julio Lopes,
pretende alterar a redação do artigo 618 da C.L.T., objetivando
legalizar a flexibilização, para que “as condições ajustadas mediante
convenção ou acordo coletivo de trabalho prevaleçam sobre o disposto em
lei, desde que não contrariem a Constituição Federal e as normas de
medicina e segurança do trabalho”, conforme estabelece a proposta do
“caput” do artigo 618 da mencionada pretensão.
Em seu parágrafo primeiro, o Projeto assevera que, no caso da
flexibilização relativa a salário e jornada de trabalho, conforme
incisos VI, XII e XIV, do artigo 7o. da Carta Magna, a convenção e/ou
acordo coletivo “deverá explicitar a cláusula compensatória concedida em
relação a cada cláusula redutra de direito legalmente assegurado”.
Em seu parágrafo segundo, o Projeto assinala que, a flexibilização
estabelecida no parágrafo primeiro é limitada “à redução temporária de
direito legalmente assegurado, especialmente em período de dificuldade
econômica e financeira pela qual passe o setor ou a empresa, não sendo
admitida a supressão do direito previsto em norma legal”.
Em seu parágrafo terceiro, o Projeto afirma que “não são passíveis de
alteração por convenção ou acordo normas processuais que disponham
sobre direito de terceiros”.
Em seu parágrafo quarto, o Projeto prescreve que “em caso de
procedência de ação anulatória de cláusula de acordo ou convenção
coletiva que tenha disposto sobre normas de medicina e segurança do
trabalho, processuais ou de direito de terceiros, deverá ser anulada
igualmente a cláusula da vantagem compensatória, com devolução do
indébito”.
DAS JUSTIFICATIVAS DO PROJETO
Apresenta o Projeto em suas justificativas as Convenções nº 98/1949 e
154/1981 da O.I.T., a primeira sobre “Aplicação dos Princípios do
Direito de Organização e de Negociação Coletiva” e segunda sobre
“Incentivo à Negociação Coletiva”.
Embasa-se, também nos incisos VI, XIII, XIV e XXVI, do artigo 7º, da Constituição Federal, que preceituam:
“VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;
XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;
XIV - jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva;
XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho.”
Insurge-se contra Precedentes do E. T.S.T., que anulam cláusulas de
acordos coletivos e/ou convenções coletivas prejudiciais aos
trabalhadores, amparando-se no RE 590.415-SC, do C. S.T.F., sendo
Relator o MM. Ministro Luis Roberto Barroso que se manifesta no sentido
de que a “antonomia coletiva da vontade não se encontra sujeita aos
mesmos limites que a autonomia individual . . . A negociação coletiva é
uma forma de superação de conflito que desempenha função política e
social de grande relevância. De fato ao incentivar o diálogo, ela tem
uma atuação terapêutica sobre o conflito entre capital e trabalho e
possibilita que as próprias categorias econômicas e profissionais
disponham sobre as regras às quais se submeterão, garantindo aos
empregados um sentimento de valor e de participação”.
Sinaliza com parâmetros que norteariam a negociação coletiva,
entendendo que dariam maior segurança a empregadores e a empregados, a
saber:
“a)não é possível a supressão de direito trabalhista constitucional e legalmente assegurado;
b) não é possível a flexibilização de norma relativa a medicina e segurança do trabalho, norma relativa a direito de terceiros e norma processual;
c)é possível a redução, mas apenas temporária, de direito de natureza salarial ou ligado a jornada de trabalho;
d)tal redução econômica deve ser compensada com vantagem de natureza salarial ou sindical, expressa no instrumento coletivo;
e)eventual anulação da cláusula flexibilizadora deve ser acompanhada da anulação da vantagem compensatória conexa, como imperativo da justiça e do caráter sinalagmático do acordo.”
Finalizando as justificativas, o Projeto apresenta a Medida
Provisória no. 680/2015, que instituiu o Programa de Proteção ao
Emprego, objetivando em sua essência a recuperação econômica-financeira
das empresas, evidentemente sob a máscara da proteção ao emprego.
DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO
Qualquer legislação deve sempre ser analisada em seu todo e não separadamente, razão pela qual, não há como alterar o referido artigo 618 Consolidado, como pretende o referido Projeto, sem contrariar as disposições contidas nos artigos 9º e 468 da C.L.T., que dispõem:
“Art. 9º - Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o
objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos
contidos na presente Consolidação.”
“Art. 468 - Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a
alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda
assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao
empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.”
Verifica-se, pois, que qualquer alteração do contrato de trabalho em
prejuízo aos direitos já garantidos é nula de pleno direito.
E o C. Tribunal Superior do Trabalho não é o vilão que o Projeto
apresenta, pelo contrário, é o fiscalizador que deve garantir que o
trabalhador não seja prejudicado pela imposição do poder econômico.
DAS CONTRARIEDADES
Configura-se cristalinamente que o Projeto em comento objetiva o total amparo ao empresário, em detrimento das garantias decorrentes dos direitos trabalhistas obtidos pelas duras conquistas decorrentes das lutas e dos sofrimentos da classe trabalhadora desde a abolição da escravatura, quando o verdugo e a chibata determinavam a execução do trabalho.
Primeiramente cumpre esclarecer que as referidas Convenções nº
98/1949 e 154/1981 da O.I.T., ambas, em nenhum momento objetivam a
retirada de direitos, mas sim, como suas próprias denominações
assinalam, aplicar os princípios do direito de negociação coletiva e
incentivar a negociação coletiva, mas jamais em prejuízo dos direitos já
garantidos aos trabalhadores.
Os mencionados incisos VI, XIII, XIV e XXVI, do artigo 7º da
Constituição Federal, garantem a negociação coletiva, mas consoante o
próprio V. Acórdão do C. S.T.F. assinala:
“a atuação das partes com lealdade e transparência em sua
interpretação e execução são fundamentais para a preservação de um
ambiente de confiança essencial ao diálogo e à negociação”.
Infelizmente tal equilíbrio nunca foi visto, exceto quando os
trabalhadores não tem outro caminho senão o da paralisação, quando os
empregadores, aí sim, mudam totalmente seu discurso e tentam, objetiva e
efetivamente solucionar a controvérsia social e econômica que vinha
protelando propositadamente.
Evidentemente na aplicação dos referidos artigos do Projeto em
questão, a garantia mínima será a da estabilidade no emprego, pois não é
justo que determinados trabalhadores tenham seus salários, ou suas
jornadas de trabalho, ou seus direitos sejam reduzidos temporariamente,
sem a garantia mínima de que permaneçam no emprego, o que deveria, sem
sombra de dúvida estar garantido no Projeto, mas, curiosamente, não
aparece.
Por outro lado, temos que acabar com este pensamento de que as
categorias profissionais no Brasil são somente as das grandes empresas,
dos grandes conglomerados, olvidando-se e omitindo-se as categorias que
realmente movimentam o País e a população no seu dia a dia
Qual a garantia do sentimento de valor e de participação equalitária
numa negociação de uma farmácia, de uma padaria, de um posto de
gasolina, de um bar, com seu respectivo empregador, que um acordo
coletivo possa trazer?
Como reconhecer negociações coletivas se uma grande parte da
categoria econômica; pelo nefasto parágrafo segundo, do artigo 114, da
Constituição Federal, o famigerado “de comum acordo”; não concorda com o
Dissídio Coletivo e em razão desta prática, inúmeras categorias
encontram-se sem data-base?
Destaque-se que ressalvar as normas de medicina e segurança do
trabalho e as normas processuais relativas a direitos de terceiros (como
o F.G.T.S. que a própria justificativa assinala), não justifica, de
maneira alguma a alteração do referido artigo 618 da forma proposta.
DO CONGRESSO NACIONAL
Os Senhores Deputados e os Senhores Senadores não se deram conta que o presente Projeto objetiva, inclusive, esvaziar o Congresso Nacional, pois se houver a prevalência do negociado sobre o legislado e o poder econômico conseguir impor suas vontades sobre a classe trabalhadora, sem qualquer forma de estabelecimento de legislação que estabeleça direitos, os mesmos não têm porque exercer suas funções, trazendo pois, em seu bojo, o desmantelamento das próprias instituições democráticas eleitas pelo povo.
CONCLUSÃO
Configura-se, desta forma, o evidente objetivo do Projeto em debate, de eliminar direitos, de coibir reivindicações, de aniquilar a representatividade efetiva das entidades sindicais profissionais, de impedir evoluções sociais e econômicas das categorias de trabalhadores.
Assim, pelas considerações apresentadas, verifica-se a necessidade da
rejeição do Projeto apresentado, vez que o mesmo objetiva o
aniquilamento das garantias e direitos obtidos a duras penas pela classe
trabalhadora.
Era o que havia para manifestar.
Brasília, 8 de Setembro de 2016
HÉLIO STEFANI GHERARDI
Consultor Jurídico
Advogado sindical há mais de 42 anos, na qualidade de assessor de
diretoria para vários Sindicatos, Federações, Confederações e C.S.B. –
Central dos Sindicato Brasileiros, sendo consultor técnico do DIAP desde
a sua fundação há mais de 31 anos, Advogado Militante, Pós-graduado em
Direito Constitucional Processual na Unisantos, Mestrando na Unimes de
Santos e foi Professor de Direito do Trabalho e de Direito Processual do
Trabalho na Unidesc – Centro Universitário de Desenvolvimento do
Centro-Oeste.
FONTE: SITE DO DIAP (http://www.diap.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=26385:pl-4-962-2016-parecer-juridico-aponta-necessidade-de-rejeicao-da-materia-sob-pena-de-aniquilamento-de-direitos-e-garantias-da-classe-trabalhadora&catid=59:noticias&Itemid=392)
Nenhum comentário:
Postar um comentário