A valorização da negociação coletiva fortalece a democracia porque, por meio do diálogo social, trabalhadores, empresas, organizações do terceiro setor e governantes tratam de interesses e conflitos que estão presentes na repartição do produto econômico do trabalho de todos, fixando pisos, reajustes e aumentos dos salários, formas de contratação, benefícios para o transporte coletivo, para a creche, educação e formação profissional, jornada de trabalho e horas extras, entre tantos outros itens que compõem acordo ou convenção coletiva.
Clemente Ganz Lúcio*
A OIT (Organização Internacional do Trabalho) trata
do “direito de sindicalização e de negociação
coletiva” na Convenção 98, aprovada em 1949, na 32ª
reunião da Conferência Internacional do Trabalho
realizada em Genebra. O Brasil a ratificou em 1952,
há 71 anos.
Essa é 1 das 5 categorias que integram os Princípios
e Direitos Fundamentais no Trabalho:
1) liberdade sindical e o reconhecimento efetivo do
direito à negociação coletiva;
2) eliminação de todas as formas de trabalho forçado
ou obrigatório;
3) abolição efetiva do trabalho infantil;
4) eliminação da discriminação em relação ao emprego
e à ocupação; e
5) direito à segurança e saúde no trabalho.
Por que a Convenção 98 trata simultaneamente de
direito de sindicalização e de negociação coletiva?
Primeiro, porque a negociação coletiva se processa
por meio da representação coletiva realizada pelo
sindicato. Cabe, portanto, ao sindicato promover sua
real capacidade de representação e
representatividade, que são expressas pela cobertura
sindical efetiva correspondente ao contingente de
trabalhadores protegidos por acordos ou convenções
coletivas e pela sindicalização.
Segundo, porque para cumprir sua missão, o sindicato
deve ter autonomia em termos de organização,
deliberação e financiamento.
Infelizmente, são recorrentes iniciativas de
empresas e governos para desqualificar as
negociações coletivas e, principalmente, para
impedir a sindicalização ou o trabalho de base do
sindicato.
Por isso a Convenção 98 da OIT afirma que “os
trabalhadores deverão gozar de proteção adequada
contra quaisquer atos atentatórios à liberdade
sindical em matéria de emprego”, tais como,
“subordinar o emprego de um trabalhador à condição
de não se filiar a um sindicato ou deixar de fazer
parte de um sindicato; e dispensar um trabalhador ou
prejudicá-lo, por qualquer modo, em virtude de sua
filiação a um sindicato ou de sua participação em
atividades sindicais, fora das horas de trabalho ou
com o consentimento do empregador, durante as mesmas
horas”.
Para garantir a autonomia do direito de organização
sindical a Convenção 98 afirma que “as organizações
de trabalhadores e de empregadores deverão gozar de
proteção adequada contra quaisquer atos de
ingerência de umas e outras, quer diretamente, quer
por meio de seus agentes ou membros, em sua
formação, funcionamento e administração”. É muito
clara a definição de atos de ingerência ao afirmar
que são “medidas destinadas a provocar a criação de
organizações de trabalhadores dominadas por um
empregador ou uma organização de empregadores, ou a
manter organizações de trabalhadores por outros
meios financeiros, com o fim de colocar essas
organizações sob o controle de um empregador ou de
uma organização de empregadores”.
Assentada na autonomia sindical, a OIT afirma que
“deverão ser tomadas, se necessário for, medidas
apropriadas às condições nacionais, para fomentar e
promover o pleno desenvolvimento e utilização dos
meios de negociação voluntária entre empregadores ou
organizações de empregadores e organizações de
trabalhadores com o objetivo de regular, por meio de
convenções, os termos e condições de emprego”.
Nesse sentido, a Constituição Federal do Brasil
delega aos sindicatos dos trabalhadores o poder de
representação coletiva para celebrar acordos
coletivos com as empresas, ou convenções coletivas
com a representação setorial dos empregadores que,
em nosso país, também é designada de sindicato
(p.ex. sindicato da indústria, sindicato do
comércio).
Em nosso País a sindicalização é livre e, portanto,
ninguém é obrigado a se filiar a sindicato.
Entretanto, de forma correta e moderna, a legislação
determina que acordo ou convecção coletiva tem
efeito universal para aqueles que estão no âmbito de
representação. Isso significa que todos/as os/as
trabalhadores/as, sócios e não sócios do sindicato,
são abrangidos, protegidos e beneficiados pelas
regras contidas no instrumento coletivo. Do mesmo
modo, todas as empresas e organizações que
participam do âmbito negocial estão vinculadas ao
cumprimento e benefícios do que foi pactuado.
A legislação é cristalina no papel de representação
coletiva dos sindicatos, no amplo poder da
negociação coletiva e na autonomia para construir
sua representatividade. Até por isso, o Supremo
Tribunal Federal corrigiu gravíssima distorção
contida na Reforma Trabalhista de 2017, consignada
na Lei 13.467, que tirou a responsabilidade dos
todos os beneficiados pelos acordos e convenções
coletiva de financiar a sua representação nos
processos negociais conforme deliberado em
assembleia.
O STF define que, com o fim da contribuição
sindical, comumente denominada de imposto sindical,
que era paga por todos para financiar o sistema
sindical, é correto que uma contribuição destinada a
financiar a representação no processo negocial seja
aportada por todos os beneficiados.
A base de toda a deliberação relacionada ao processo
negocial é coletiva, realizada por meio de
assembleias e de consultas estruturadas, momento no
qual se renovam as delegações de representação ao
sindicato para processo negocial concreto. São as
assembleias que definem a pauta que será
apresentada, analisam e deliberam pela aprovação ou
rejeição das propostas vindas das mesas de
negociação e, em algum momento, definem pela
celebração de acordo ou convenção coletiva concreto.
Portanto, a representação coletiva tem nas
assembleias o espaço de deliberação sobre todas as
regras e normas que irão reger as relações de
trabalho por um período.
O nosso sistema sindical e de relações de trabalho,
que é bem estruturado, está desafiado a responder às
profundas mudanças no sistema produtivo e no mundo
do trabalho. Considerando a velocidade, a
intensidade e a extensão dessas transformações,
somente a negociação coletiva será capaz de tratar
dos novos problemas e desafios, construindo soluções
e normas em tempo real.
Para que acordos e convenções gerem segurança para
todos diante de problemas complexos e inéditos, é
fundamental que os processos negocias sejam bem
estruturados e permanentemente valorizados.
Por isso, as centrais sindicais apresentaram
propostas para incentivar e valorizar a negociação
coletiva. A criação de Conselho Nacional de Promoção
da Negociação Coletiva, com participação tripartite,
visando cuidar permanente da negociação coletiva, em
todos os âmbitos, apoiando formas de articulação e
coordenação dos espaços e âmbitos negociais,
desenvolvendo instrumentos de mediação e arbitragem,
observando a diversidade setorial, territorial e de
tamanho de empresa, bem como estimulando a
negociação coletiva no setor publico.
Não se deve temer a negociação coletiva. Aqueles que
a realizam com boas práticas, a valorizam, a
defendem e a promovem. Quem vivencia a negociação
coletiva conhece sua importância estratégica para um
sistema de relações de trabalho moderno.
(*) Sociólogo, coordenador do Fórum das Centrais
Sindicais, membro do Cdess (Conselho de
Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável) da
Presidência da República. Membro do Conselho
Deliberativo da Oxfam Brasil, consultor e ex-diretor
técnico do Dieese (2004-2020).
Fonte: Diap - Do Blog de Notícias da CNTI- https://cnti.org.br
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