Neuriberg Dias*
Às vésperas de mais um ciclo de eleições gerais, o
Congresso Nacional avança com uma agenda legislativa
claramente direcionada ao enfraquecimento do
movimento sindical. Conduzida por setores da
oposição ao governo federal, essa ofensiva não
ocorre por acaso. Trata-se de uma ação estratégica
que visa reduzir a capacidade de organização,
mobilização e negociação dos trabalhadores em um
momento crucial da vida democrática do país.
Os sindicatos não são meras estruturas burocráticas.
São organismos vivos, essenciais para a mediação
entre capital e trabalho. Por meio de campanhas
salariais, greves, mobilizações, negociações
coletivas e ações judiciais, buscam equilibrar
relações historicamente marcadas por profundas
assimetrias de poder. Atacar essas entidades é minar
não apenas os direitos conquistados, mas o próprio
pacto democrático que regula as relações laborais. E
essa erosão se agrava quando ocorre em pleno
ambiente pré-eleitoral, justamente quando os canais
de representação e participação deveriam ser
ampliados.
Atualmente, três projetos de lei concentram os
ataques mais significativos ao sindicalismo. Um
aprovado recentemente na Câmara dos Deputados, o PL
1663/2023, que tramita agora no Senado Federal, com
os PLs 2099/2023 e 2830/2023, que seguem a mesma
linha, prevendo mudanças nas estruturas sindicais
que favorecem a enfraquecer as bases de
representação coletiva, a proteção de direitos dos
trabalhadores e que criam um cenário propício a
práticas antissindicais.
O PL 1663/2023, de autoria do deputado Fausto Santos
Jr. (União-AM), que tem como objetivo atualizar
dispositivos ultrapassados da Consolidação das Leis
do Trabalho (CLT), adequando-os à Constituição
Federal e à nova legislação trabalhista vigente
desde a reforma de 2017. O texto recebeu dois
pareceres do relator, deputado Ossesio Silva
(Republicanos-PE): um favorável, na forma de
substitutivo, em relação ao texto original, e outro
pela rejeição das quatro emendas apresentadas.
Dentre essas emendas, foi incorporada a Emenda de
Plenário nº 1, de autoria do deputado Rodrigo
Valadares (União-SE), que gerou controvérsias por
propor a criação de mecanismos digitais para o
cancelamento da contribuição sindical.
A emenda estabelece que o pedido de cancelamento
possa ser feito por meio de portais ou aplicativos
do Governo Federal, como o “gov.br”, por plataformas
digitais mantidas pelos sindicatos, aplicativos de
empresas privadas autorizadas, ou até mesmo via
e-mail. Para garantir a autenticidade, seriam
exigidos mecanismos de validação como certificação
digital (ICP-Brasil), autenticação via “gov.br”,
outras formas eletrônicas legalmente reconhecidas ou
assinatura física acompanhada de documento oficial.
Embora apresentada como medida de modernização, a
proposta traz sérias contradições. Primeiramente,
insere um novo regramento em um projeto que visa
apenas revogar trechos obsoletos da CLT, ampliando
indevidamente o escopo da proposição. Em segundo
lugar, trata de uma matéria já resolvida pela
Reforma Trabalhista: desde 2017, a contribuição
sindical deixou de ser obrigatória, e qualquer
desconto só pode ocorrer mediante autorização prévia
e expressa do trabalhador. Assim, a criação de um
sistema de cancelamento soa redundante, ao pressupor
uma cobrança indevida generalizada que não
corresponde à atual realidade normativa.
E os PLs 2830/2023 e 2099/2023, em especial o
primeiro, que inicialmente tratava de temas
processuais na Justiça do Trabalho, ganhou contornos
com aprovação de uma emenda que igualmente impacta
diretamente a estrutura e organização sindical.
Ambas as propostas, de autoria do senador Styvenson
Valentim (PODEMOS-RN), foram originalmente
concebidas para reduzir de 45 para 15 dias o prazo
para protesto e inscrição de devedores trabalhistas
nos órgãos de proteção ao crédito.
No entanto, o relator da matéria na Comissão de
Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), senador
Rogério Marinho (PL-RN), introduziu mudanças que
modificam profundamente a Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT) no que diz respeito à contribuição
sindical. Entre as alterações, está a ampliação do
direito de oposição dos trabalhadores à cobrança da
contribuição negocial. Na prática, isso incentiva a
não contribuição, mesmo quando os benefícios
negociados em convenções coletivas são usufruídos
por toda a categoria — filiados ou não — ao prever
que o trabalhador poderá manifestar oposição ao
desconto sindical: a) no ato da contratação; b) em
até 60 dias após o início da relação de trabalho ou
no prazo de 60 dias após a assinatura de acordo ou
convenção coletiva; c) ser feita pessoalmente ou por
qualquer meio, inclusive eletrônico.
Além disso, a cobrança de contribuição assistencial
será feita pelo sindicato exclusivamente por meio de
boleto bancário ou arranjo de pagamentos
instantâneos instituído pelo Banco Central do Brasil
(Pix), sendo vedada a atribuição de responsabilidade
ao empregador pelo pagamento, desconto em folha de
pagamento e repasse às entidades sindicais. Exceto a
critério do empregador, e desde que exista previsão
em acordo ou convenção coletiva de trabalho, o
pagamento por meio de desconto em folha da
contribuição poderá ser fixado. E ainda, segundo o
texto, fica vedada a cobrança e o envio de boleto,
ou equivalente, à residência do empregado ou à sede
da empresa, em caso de oposição apresentada pelo
empregado.
A esse contexto se soma a crise enfrentada pelo
Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), marcada
por denúncias de descontos indevidos em benefícios
de aposentados e pensionistas. Embora esses débitos
estejam ligados a falhas administrativas e
operacionais, setores do Parlamento e da mídia têm
tentado transferir a responsabilidade para os
sindicatos. Essa narrativa, desconectada dos fatos,
tem sido usada como justificativa para avançar com
medidas legislativas que restringem ainda mais a
atuação sindical, explorando o desgaste público
gerado por problemas estruturais do sistema
previdenciário.
Diante dessa conjuntura, torna-se urgente uma
resposta coordenada, combativa e propositiva pelo
movimento sindical. É fundamental lançar uma
campanha nacional de valorização do papel das
entidades representativas. A iniciativa deve ter
como foco o combate à desinformação, o resgate da
relevância da representação coletiva, o diálogo com
as novas gerações de trabalhadores — inclusive os
inseridos em vínculos informais — e a promoção de um
diálogo qualificado e permanente no Congresso
Nacional onde o debate tem sido tratado de forma
desqualificada e superficial sobre o papel dos
sindicatos.
A tentativa de desarticulação sindical não é isolada
nem neutra — ela integra uma disputa mais profunda
sobre o modelo de país que está em jogo desde a
reforma trabalhista. Retirar o poder de ação das
entidades sindicais significa limitar a capacidade
de mobilização da classe trabalhadora e, com isso,
abrir espaço para o avanço de pautas regressivas que
se beneficiam da apatia social. Ainda não é um
xeque-mate, pois ainda há tempo para o movimento
sindical movimentar o tabuleiro.
*Jornalista, Analista Político e Diretor de
Documentação do DIAP.
Fonte: Diap - Do Blog de Notícias da CNTI - https://cnti.org.br
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