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quarta-feira, 25 de junho de 2025

Parlamento antissindical – Neuriberg Dias

 


Às vésperas de mais um ciclo de eleições gerais, o Congresso Nacional avança com uma agenda claramente direcionada ao enfraquecimento do movimento sindical. Conduzida por setores da oposição ao governo, essa ofensiva não ocorre por acaso. Trata-se de uma ação estratégica que visa reduzir a capacidade de organização, mobilização e negociação dos trabalhadores em um momento crucial da vida democrática do País.

Os Sindicatos não são meras estruturas burocráticas. São organismos vivos, essenciais na mediação capital-trabalho. Por meio de campanhas salariais, greves, mobilizações, negociações coletivas e ações judiciais, buscam equilibrar relações historicamente marcadas por profundas assimetrias de poder. Atacar essas entidades é minar não apenas os direitos conquistados, mas o próprio pacto democrático que regula as relações laborais.

E essa erosão se agrava quando ocorre em pleno ambiente pré-eleitoral, justamente quando os canais de representação e participação deveriam ser ampliados.

Três projetos de lei concentram os ataques mais fortes ao sindicalismo. Um, aprovado recentemente na Câmara dos Deputados, o PL 1.663/2023, que tramita agora no Senado, com os PLs 2.099/2023 e 2.830/2023, que seguem a mesma linha, prevendo mudanças nas estruturas sindicais que ensejam enfraquecer as bases de representação coletiva, a proteção de direitos e que criam um cenário propício a práticas antissindicais.

O PL 1.663/2023, do deputado Fausto Santos Jr. (União-AM), que tem como objetivo atualizar dispositivos ultrapassados da CLT, adequando-os à Constituição Federal e à legislação trabalhista vigente desde a reforma de 2017. O texto recebeu dois pareceres do relator, deputado Ossesio Silva (Republicanos-PE): um favorável, na forma de substitutivo, em relação ao texto original, e outro pela rejeição das quatro emendas apresentadas.

Dentre essas, foi incorporada a Emenda de Plenário nº 1, do deputado Rodrigo Valadares (União-SE), que gerou controvérsias por propor a criação de mecanismos digitais para sustar a contribuição sindical.

A emenda estabelece que o pedido de cancelamento possa ser feito por meio de portais ou aplicativos do Governo, como o “gov.br”, por plataformas digitais mantidas pelos

Sindicatos, aplicativos de empresas privadas autorizadas, ou até mesmo via e-mail. Para garantir a autenticidade, seriam exigidos mecanismos de validação como certificação digital (ICP-Brasil), autenticação via “gov.br”, outras formas eletrônicas legalmente reconhecidas ou assinatura física acompanhada de documento oficial.

Embora apresentada como medida de modernização, a proposta traz sérias contradições. Primeiro, insere novo regramento em um projeto que visa apenas revogar trechos obsoletos da CLT, ampliando indevidamente o escopo da proposição. Em segundo lugar, trata de uma matéria já resolvida pela Reforma Trabalhista: desde 2017, a contribuição sindical deixou de ser obrigatória, e qualquer desconto só pode ocorrer mediante autorização prévia e expressa do trabalhador. Assim, a criação de um sistema de cancelamento soa redundante, ao pressupor uma cobrança indevida generalizada que não corresponde à atual realidade normativa.

E os PLs 2.830/2023 e 2.099/2023, em especial o primeiro, que inicialmente tratava de temas processuais na Justiça do Trabalho, ganhou contornos com aprovação de emenda que igualmente impacta diretamente a estrutura e organização sindical. Ambas as propostas, do senador Styvenson Valentim (Podemos-RN), foram originalmente concebidas pra reduzir de 45 para 15 dias o prazo para protesto e inscrição de devedores trabalhistas nos órgãos de proteção ao crédito.

No entanto, o relator na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, senador Rogério Marinho (PL-RN), introduziu mudanças que alteram profundamente a CLT, no que diz respeito à contribuição sindical. Entre as alterações, está a ampliação do direito de oposição dos trabalhadores à cobrança da contribuição negocial. Na prática, incentiva a não-contribuição, mesmo quando os benefícios negociados em Convenções Coletivas são usufruídos por toda a categoria – sócios ou não – ao prever que o trabalhador poderá manifestar oposição ao desconto sindical: a) no ato da contratação; b) em até 60 dias após o início da relação de trabalho ou no prazo de 60 dias após a assinatura de acordo ou convenção coletiva; c) ser feita pessoalmente ou por qualquer meio, inclusive eletrônico.

Além disso, a cobrança de contribuição assistencial será feita pelo sindicato exclusivamente por boleto bancário ou arranjo de pagamentos instantâneos instituído pelo Banco Central (Pix), vedada a atribuição de responsabilidade ao empregador pelo pagamento, desconto em folha de pagamento e repasse às entidades sindicais. Exceto a critério do empregador, e desde que exista previsão em acordo ou convenção coletiva, o pagamento por meio de desconto em folha da contribuição poderá ser fixado. E ainda, segundo o texto, fica vedada a cobrança e o envio de boleto, ou equivalente, à residência do empregado ou à sede da empresa, em caso de oposição apresentada pelo empregado.

A esse contexto se soma a crise enfrentada pelo INSS, marcada por denúncias de descontos indevidos em benefícios de aposentados e pensionistas. Embora esses débitos estejam ligados a falhas administrativas e operacionais, setores do Parlamento e da mídia têm tentado transferir a responsabilidade aos Sindicatos. Essa narrativa, desconectada dos fatos, tem sido usada como justificativa pra avançar com medidas legislativas que restringem ainda mais a atuação sindical, explorando o desgaste público gerado por problemas estruturais do sistema previdenciário.

Ante essa conjuntura, torna-se urgente uma resposta coordenada, combativa e propositiva do movimento sindical. É fundamental lançar uma campanha nacional de valorização do papel das entidades. A iniciativa deve ter como foco o combate à desinformação, o resgate da relevância da representação coletiva, o diálogo com as novas gerações de trabalhadores – inclusive os inseridos em vínculos informais – e a promoção de um diálogo qualificado e permanente no Congresso Nacional onde o debate tem sido tratado de forma desqualificada e superficial sobre o papel dos sindicatos.

A tentativa de desarticulação sindical integra uma disputa mais profunda sobre o modelo de país que está em jogo desde a reforma trabalhista. Retirar o poder de ação das entidades sindicais significa limitar a capacidade de mobilização da classe trabalhadora e, com isso, abrir espaço para pautas regressivas que se beneficiam da apatia social. Não é um xeque-mate, pois ainda há tempo para o sindicalismo mover-se no tabuleiro.

Neuriberg Dias. Jornalista, analista político e diretor de Documentação do Diap.

 

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