Professor da Unicamp diz que reformas reforçaram
poder do empregador de gerir força de trabalho e
juíza aponta que opção gera menor custo e pouco tem
a ver com comportamento
Segundo a LCA Consultoria, em janeiro deste ano,
houve mais de 39,5 mil demissões por justa causa no
Brasil — o que corresponde a 2,09% do total de
desligamentos do mês. O número é 11,5% maior do que
em dezembro e 25,6% superior em relação ao primeiro
mês de 2023. Para além de questões comportamentais
dos indivíduos e do mercado que podem explicar parte
desse crescimento, esses números parecem também
refletir o maior poder que o patronato passou a ter
a partir do recente processo de retirada de direitos
da classe trabalhadora.
Junto à divulgação desses números, vieram as
análises. Parte indicava a possível influência do
maior dinamismo do mercado de trabalho sobre as
demissões, inclusive naquelas por justa causa.
Outras especulavam sobre fatores comportamentais
ligados ao retorno ao trabalho após a pandemia, tais
como o aumento da ansiedade e do estresse, que
resultariam em um aumento dos conflitos e,
consequentemente, nesse tipo de demissão.
No entanto, para além desses aspectos mais
circunstanciais que podem pesar sobre as demissões,
a análise da pesquisa abre caminho para a
compreensão de questões de fundo estrutural que
incidem cotidianamente na vida laboral.
Direitos destruídos
No sistema capitalista, sobretudo em sua fase atual, a precarização das relações de trabalho, a perda de direitos básicos e os avanços tecnológicos que dispensam cada vez mais a mão de obra humana, entre outros fatores, resultam num ambiente progressivamente hostil e desanimador aos trabalhadores.
Cada vez mais, eles se vêem obrigados a alocar um
tempo maior para o trabalho, ganhando salários mais
baixos, com menos garantias e sabendo que sempre
haverá alguém disposto a ocupar a sua vaga. Soma-se
a isso a concepção meritocrática em voga, que sempre
culpa a pessoa pelo seu insucesso.
“Há, de fato, uma situação resultante das
transformações no mundo do trabalho e as pessoas
estão sendo provocadas por essas transformações.
Elas estão expostas a uma concorrência sempre muito
forte para ocupar as poucas oportunidades de
trabalho de qualidade existentes na sociedade
contemporânea”, explica, ao Portal Vermelho, José
Dari Krein, professor da Unicamp e diretor do Centro
de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (Cesit).
Ele argumenta que a grande maioria dos trabalhos é
de pouca qualidade, baixa realização pessoal e
pequeno rendimento — mesmo para muita gente que pôde
se especializar fazendo uma faculdade, por exemplo
—, o que gera uma série de frustrações.
“A explicação hegemônica que foi sendo apresentada e
que convenceu boa parte da sociedade é a de que a
responsabilidade é do indivíduo. Se ele não tem uma
posição melhor no mercado de trabalho, é porque ele
falhou, não estudou, não se esforçou, não tem
empregabilidade, porque não é empreendedor e não é
líder. E esse indivíduo ainda é exposto a um
ambiente de concorrência com poucas oportunidades de
trabalho”, diz Krein.
Por tudo isso, se no século 19 era comum o
adoecimento por doenças ligadas à insalubridade do
trabalho ou da moradia, como a tuberculose, no
século 21, parte considerável das doenças laborais
está ligada a fatores emocionais e psicológicos,
como o estresse, a angústia e a depressão, além da
autocobrança gerada por esse ambiente, o que
amplifica ainda mais esses males.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), em
2019, um bilhão de pessoas viviam com transtornos
mentais e 15% dos adultos em idade laboral sofriam
com algum problema dessa natureza.
Despotismo nas empresas
Mas, há outra questão que pesa bastante e que diz respeito a como esse ambiente de precarização pode mudar o comportamento por parte dos patrões. “Ao mesmo tempo em que temos esse cenário, do ponto de vista do trabalhador, temos também um poder despótico sendo adotado em parte das empresas”, aponta Krein. Segundo o professor, as reformas trabalhistas “reforçaram o poder do empregador gerir sua força de trabalho de acordo com aquilo que ele acha mais conveniente”.
Quando uma pessoa é desligada por justa causa,
recebe apenas parte de seus direitos — ela perde,
por exemplo, o acesso ao Fundo de Garantia por Tempo
de Serviço, a indenização dos 40% sobre o FGTS e o
direito ao aviso prévio. “Isso significa que é um
custo menor para o empregador despedir por justa
causa”, explica, ao Portal Vermelho, Valdete Souto
Severo, doutora em Direito do Trabalho pela USP e
juíza do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região.
A juíza salienta que “a maioria das alegações de
justa causa não se dá por uma questão
comportamental, mas sim por alegação de faltas
injustificadas ou outras questões que não tem a ver
diretamente com uma insubordinação, por exemplo, por
parte do trabalhador”.
Com medo de acabar ficando “marcado” no mercado de
trabalho e ter dificuldades para se recolocar,
muitos trabalhadores acabam não recorrendo à Justiça
no caso de uma demissão que acredita ter sido
arbitrária.
Ainda assim, Valdete explica que há muitos pedidos
de reversão de justa causa de trabalhadores
“desesperados porque não têm nem acesso ao
seguro-desemprego e porque saíram do emprego sem
receber nada. E via de regra, esses processos
terminam ou em conciliação ou em reversão da justa
causa, exatamente porque não há um motivo grave que
justifique esse tipo de desligamento”.
Para o professor Krein, “num ambiente como esse e em
meio a uma sociedade mais polarizada, obviamente que
as tensões vão se colocando e podem gerar algum tipo
de conflito — ou, como a empresa diz, de
‘indisciplina’. Mas, é preciso dizer que
fundamentalmente quem faz a demissão por justa causa
não é o empregado, é o empregador”.
Fonte: Portal Vermelho - Do Blog de Noticias da CNTI - https://cnti.org.br
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