Paulo Paim* e Vilson Antonio Romero**
Chega de mentiras. É preciso passar a limpo a atual discussão sobre
reforma da Previdência Social. Aliás, falar em “atual discussão” parece
até brincadeira, já que é público o fato de que sucessivos governos
espalham aos quatro ventos, há anos, o discurso de que o sistema é
deficitário e o usam como desculpa para novas alterações. É mentira! Não
há déficit e vamos comprovar.
Primeiramente, a Previdência faz parte de algo maior. Ela integra o
sistema de proteção criado na Constituição Cidadã de 1988, chamado de
Seguridade Social, que inclui o tripé Previdência, Saúde e Assistência
Social. Pela Carta Magna, a Previdência tem caráter contributivo e
filiação obrigatória, a Saúde é um direito de todos e a Assistência
Social, destinada a quem dela precisar.
Esse grande modelo de proteção tem recursos próprios, conta com
diversas fontes de financiamento, como contribuições sobre a folha de
pagamentos, sobre o lucro das empresas, sobre importações e mesmo parte
dos concursos de prognósticos promovidos pelas loterias da Caixa
Econômica Federal. Se há anos eles dizem que há déficit, há anos os
números mostram justamente o contrário.
A Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do
Brasil (ANFIP) divulga anualmente a publicação Análise da Seguridade
Social e os superávits são sucessivos, a saber: saldo positivo de R$
59,9 bilhões em 2006; R$ 72,6 bilhões, em 2007; R$ 64,3 bi, em 2008; R$
32,7 bi, em 2009; R$ 53,8 bi, em 2010; R$ 75,7 bi, em 2011; R$ 82,7 bi,
em 2012; R$ 76,2 bi, em 2013; R$ 53,9 bi, em 2014.
No ano passado não foi diferente. O investimento nos programas da
Seguridade Social, que incluem as aposentadorias urbanas e rurais,
benefícios sociais e despesas do Ministério da Saúde, entre outros, foi
de R$ 631,1 bilhões, enquanto as receitas da Seguridade foram de R$
707,1 bi. O resultado, mais uma vez positivo, foi de R$ 24 bilhões –
nada de déficit!
Dois fatos chamam a atenção. Primeiro, o saldo positivo em 2015
acontece num ano repleto de dificuldades econômicas, o que mostra a
força do sistema de Seguridade Social. Ainda, todos os números
divulgados são levantados pela ANFIP com base em dados do próprio
governo. Ou seja, os governantes sabem do superávit, mas insistem em
usar o discurso do déficit para promover sucessivas mudanças na
Previdência, sempre de olho em ampliar (e desviar) o caixa, nunca os
benefícios dos trabalhadores.
Prova de que o governo reconhece o saldo positivo são medidas como as
renúncias fiscais com recursos previdenciários e a Desvinculação de
Receitas da União (DRU), que sistematicamente retira parte do orçamento
da Seguridade Social. Só a DRU, em 2012, usurpou R$ 58 bilhões das
contribuições sociais. O dano é continuado: R$ 63 bilhões em 2013 e mais
R$ 63 bilhões em 2014.
Para agravar o cenário, tramita no Congresso Nacional uma Proposta de
Emenda à Constituição (PEC 4/2015, na Câmara, PEC 31/2016, no Senado),
que não apenas prorroga a DRU até o ano de 2023, como amplia de 20% para
30% o percentual que o governo pode retirar dos recursos sociais. Se a
medida for aprovada, pode significar a saída de R$ 120 bilhões por ano
do caixa da Seguridade.
Também é preciso enfatizar a importância da Previdência no cotidiano
do Brasil. Hoje, são pagos 32,7 milhões de benefícios, incluindo 9,7
milhões de aposentadorias por idade, 7,4 milhões de pensões por morte,
5,4 milhões de aposentadorias por tempo de contribuição e 3,2 milhões de
aposentadoria por invalidez, entre outros. O peso desses números é
enorme, com impacto social e econômico.
Sem os valores distribuídos pela Previdência Social, boa parte dos
municípios brasileiros correria o risco de ir à bancarrota. Hoje, dos
5.566 municípios, em 3.875 (70%) o valor dos repasses aos aposentados e
demais beneficiários da Previdência supera o repasse do Fundo de
Participação dos Municípios, o FPM. Mais ainda, em 4.589, ou 82% do
total, os pagamentos aos beneficiários do Instituto Nacional do Seguro
Social superam a arrecadação municipal. Ou seja, é com o pagamento aos
aposentados que a economia dessas cidades roda, o comércio gira.
Números postos e expostos, resta saber a quem tanto interessa falar
em déficit previdenciário. Certamente, não às trabalhadoras e aos
trabalhadores, que são contribuintes e beneficiários do sistema.
Enfraquecer a Previdência Social justa e solidária, certamente,
interessa ao mercado financeiro, ávido em desmoralizar o modelo público
para emplacar a venda de planos privados.
É com este cenário que, mais uma vez, surgem as propostas de reforma
da Previdência, como se o sistema fosse um problema nacional – os
números aqui expostos comprovam exatamente o contrário, é a Previdência
que garante cidadania e movimenta a economia.
A defesa da reforma nasce como uma espécie de cortina de fumaça para
encobrir os problemas reais. Ao invés de buscar soluções para o
crescimento econômico, como uma efetiva e verdadeira reforma tributária,
a revisão do pacto federativo, o estabelecimento de taxas de juros que
estimulem o mercado sem empobrecer a população, o governo interino mira o
seguro social. Lamentavelmente, prefere atacar a poupança social dos
brasileiros e das brasileiras, dinheiro economizado pelos trabalhadores
ao longo de toda a vida laboral para, no futuro, gozar da justa e
merecida aposentadoria.
Nos moldes defendidos pelo governo, o sonho da aposentadoria pode
virar pesadelo em vida, ou nem isso, porque muitos podem morrer antes de
desfrutar um pouquinho sequer dessa conquista. Como falar, por exemplo,
em idade mínima, e ainda por cima igual para homens e mulheres, quando
vivemos em um país com dimensões continentais, repleto de variadas
desigualdades regionais? A título de exemplo, um homem no Pará nasce com
a expectativa de vida de 64 anos enquanto, para uma mulher de Santa
Catarina, esse número ultrapassa os 80 anos.
Implantada a reforma sugerida pelo governo, a Previdência Social
passaria a ser tão somente um programa de renda mínima, pagando
benefícios cada vez menores, abaixo inclusive do piso salarial. Isso
aconteceria, é bom alertar a todos e a todas, porque o Planalto defende a
desvinculação do benefício previdenciário do valor do salário mínimo,
ou seja, a aposentadoria poderia ficar menor do que o mínimo e, para
piorar, com a absurda tendência de distanciamento cada vez maior entre
os dois, já que certamente os governantes proporiam reajustes sempre
menores nos benefícios em relação àqueles do salário mínimo.
Para lutar contra esse verdadeiro ataque à sociedade brasileira é que
levamos adiante a criação da Frente Parlamentar Mista em Defesa da
Previdência Social. Lançado em maio, o movimento suprapartidário, além
de senadores da República e de deputados federais, reúne dezenas de
entidades de variadas matizes que lutam para proteger a Previdência.
Para ampliar o debate sobre o tema, a Frente Parlamentar está
promovendo audiências públicas em todas as regiões do Brasil. Estamos
percorrendo o País de um canto a outro para chamar a atenção da
sociedade para os efeitos nocivos das propostas do governo. Ao mesmo
tempo, é preciso reconhecer que ajustes pontuais são importantes para
proteger o caixa da Seguridade Social, sempre alvo da cobiça dos
governantes.
Assim, iniciativas como a revisão ou o fim das desonerações das
contribuições previdenciárias sobre a folha de pagamento e a alienação,
por leilão, de imóveis da Previdência Social e de outros patrimônios em
desuso precisam ser discutidas. Também é necessário exigir o fim da
aplicação da DRU sobre o orçamento da Seguridade Social, bem como a
criação de um Refis (Programa de Recuperação Fiscal) para a cobrança de
R$ 236 bilhões de dívidas ativas recuperáveis com a Previdência Social.
Ainda, é fundamental melhorar a fiscalização sobre o setor, por meio
do aumento do número de Auditores Fiscais em atividade e do
aperfeiçoamento da gestão e dos processos de fiscalização. Também está
na hora de rever as alíquotas de contribuição para a Previdência Social
do setor do agronegócio, que pode e deve contribuir mais para assegurar a
aposentadoria do trabalhador do campo.
É preciso que a sociedade brasileira vista a camisa e assuma a defesa
intransigente e a manutenção dos direitos sociais e a gestão
transparente da Seguridade Social, além do equilíbrio financeiro e
atuarial da Previdência Social pública e solidária. Só assim poderemos
manter o seguro social, o verdadeiro patrimônio dos brasileiros e das
brasileiras.
(*) Paulo Paim (PT/RS) é presidente da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal
(**) Vilson Antonio Romero é presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip)
Fonte:
site do DIAP (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar) -(http://www.diap.org.br.
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