José Reginaldo Inácio, presidente da NCST
por José Reginaldo Inácio
Em 2020, no mundo, 255 milhões empregos foram perdidos, segundos dados da OIT. Tal cenário é ainda mais desolador para a classe trabalhadora diante do flagelo falimentar agravado com a exposição forçada à contaminação e morte de milhões de trabalhadoras e trabalhadores por Covid-19, muitas delas evitáveis se houvesse condições mínimas de prevenção ou vacina. Aliás, não se pode ignorar que “no mundo, um trabalhador morre por acidente de trabalho ou doença laboral a cada 15 segundos” e nessa conta não foi estimada as vítimas do covid-19.
Por aqui o Estado brasileiro não cumpre o seu papel, viola Constituição Federal (CF) já no seu 1º Artigo, os fundamentos do Estado democrático, principalmente a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho. Daí o porquê de o Brasil figurar como o 2º país do G20 em mortalidade por acidentes no trabalho, ter a “2ª maior concentração de renda entre mais de 180 países, 1% mais rico deter mais do que o dobro da renda dos 40% mais pobres”, além de estar “enquadrado entre os dez países mais desiguais do mundo, sendo o único latino-americano na lista onde figuram os africanos. O Brasil é mais desigual que Botsuana, com 0,533 pelo índice de Gini, pequeno país vizinho a África do Sul com pouco mais que dois milhões de habitantes."
A vida, o emprego digno e a democracia sofrem violações contínuas. Princípios constitucionais são a cada dia mais severamente atacados: a destruição dos direitos fundamentais e sociais, se foi deflagrada com EC 95, em 2016, agora tende a piorar com PEC 186/19 (EC 109/21) e a PEC 32/20 (Reforma Administrativa); a destruição dos direitos trabalhistas e previdenciários, com as leis 13.429/17 (terceirização irrestrita), 13.467/17 (reforma trabalhista, surge o trágico trabalho intermitente) e com EC 103/19 (reforma previdenciária); a destruição do direito à vida é flagrante quando há a recusa estatal até de se cumprir o Artigo 196 da CF e, aí, as demonstrações são diversas.
É total absurdo que, durante a pior crise sanitária da nossa história, com recordes diários de mortes e contaminações, termos que aqui conclamar pela garantia de recursos orçamentários para o sistema de saúde, para o SUS, para a pesquisa, ciência e tecnologia, o combate à fome, condições mínimas de prevenção, saúde e segurança...
No Brasil a mórbida realidade se tornou um suplício contínuo que apavora a quem depende do trabalho para viver e se vê próximo de estar entre os mais de meio milhão de mortos em anunciação. Saber que em boa parte seriam e são mortes evitáveis é revoltante, mas não é tudo. Há ainda os drásticos impactos da desproteção social do trabalho e da previdência que assolam a população ocupada e desocupada.
Mais de metade da população brasileira (em idade de trabalhar) está fora da força de trabalho: 76,4 milhões de pessoas. O número de desocupados, desalentados e informais ultrapassa 54 milhões, e, mesmo assim, persistem medidas, leis, normas e procedimentos gestados pelo executivo federal e/ou deliberados pela maioria do legislativo – e para piorar, sustentados por parte do judiciário –, que impõem barreiras antissindicais para impedir que a classe trabalhadora seja, individual ou coletivamente, representada pelos sindicatos, inclusive no pior momento de sua história, como está, por exemplo, estabelecido em certos artigos da MP 1045/21.
Para agravar esse cenário de incerteza e insegurança, o comando do país sabota as medidas de segurança, incentiva a população, principalmente a classe trabalhadora, a descumprir com normas e procedimentos de saúde que possam protegê-la, nega a eficácia da vacina, do uso de máscara, do isolamento social.
Infelizmente, não sem razão, afinal temos a pior condução no combate ao covid-19 do mundo, ao ponto de até a comunidade científica internacional atestar esta hedionda atuação. Um presidente que induz a população à exposição ao covid-19; que ao negar a ciência, a saúde e a vida, impõe a alienação, a desigualdade, a miséria e o extermínio seletivo ao povo brasileiro.
“Atrás de renda e sem home office, pobres morrem mais de Covid”, esta foi a manchete da Folha de 21/04/2021. Quem são esses pobres? Trabalhadoras e trabalhadores. Vítimas, não só desse governo, mas também do mal que vem das reformas trabalhistas e da previdenciária: são terceirizadas/os, informais, trabalhadoras/es intermitentes... milhões que não conseguem se aposentar e também se concentram nas filas do desemprego, da dependência e disputa por auxílio emergencial. Subsistem numa aglomeração forçada: filas, paradas e pontos ônibus, metrôs, trens... e são impedidos de se proteger e de proteger aos seus... São as/os elegíveis à morte, descartáveis... aos milhares, centenas de milhares, milhões...
A cruel percepção do que é necropolítica em exercício e ação, do que é a emergência da fome, da miséria, tem que mover a unidade sindical e social popular no sentido de uma transformação real. Inspiradora de dignidade e de vida, em que a luta pelo auxilio emergencial, de pelo menos R$600,00 e com o mesmo número de beneficiários de 2020, por vacina já e para todos estejam entre as prioridades, mas tão somente como mais um vigoroso ato; do contrário sequer estabelecer condição mínima de existência e de prevenção ao isolamento social sem a dor intensa da fome será suficiente, mesmo que signifiquem ações concretas, inadiáveis e emergenciais para o momento. Não há dúvida, são ações determinantes para a superação de um dos piores e mais tristes momentos da história da classe trabalhadora brasileira. Contudo, a miséria e a ignorância não podem ser mantidas como símbolo ideológico de um governo abjeto que as usa no sacrifício de quem trabalha para saciar aqueles que o mantém no poder.
* José Reginaldo Inácio é Sindicalista, Presidente da Nova Central Sindical de Trabalhadores – NCST, Secretário de Educação da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria e Diretor de Estudos e Pesquisas do Observatório Sindical Brasileiro “Clodesmidt Riani” – OSBCR.
Fonte: NCST - Do Blog de Notícias da CNTI - https://cnti.org.br/
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