Para padre e ativista, país pode voltar a formas "tradicionais" de escravidão
Publicado por Rede Brasil Atual
São Paulo – Ao lembrar que o Direito é evolutivo, não deve
retroceder, o padre e professor Ricardo Rezende criticou a Portaria
1.129, do Ministério do Trabalho, sobre trabalho escravo, atualmente
suspensa por decisão liminar da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal
Federal (STF). "Ele (ministro Ronaldo Nogueira, do Trabalho) resolveu
dar uma outra definição ao trabalho análogo ao de escravo e suspendeu,
na prática, as operações de fiscalização", disse o padre hoje (28),
durante conferência nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que
está sendo realizada em São Paulo.
O padre Rezende conhece bem essa realidade. Passou muitos anos no
Pará, ajudando e socorrendo vítimas de trabalho escravo. É protagonista
do documentário "Este Homem Vai Morrer", de 2008. Atualmente, vive no
Rio de Janeiro e é professor da Universidade Federal (UFRJ), onde está
desenvolvendo estudos sobre formas contemporâneas de escravidão,
envolvendo grupos bem distintos: chineses em pastelaria e modelos.
Ele participou da conferência para falar do caso da Fazenda Brasil
Verde, no sul do Pará. Estava prevista a presença do Frei Xavier
Plassat, mas ele viajou para a França, para os funerais do Frei Henri
Burin Des Roziers, que morreu no último domingo, aos 87 anos. Foi
respeitado um minuto de silêncio em homenagem ao dominicano.
O Brasil foi condenado em 2016 pela Corte Interamericana de Direitos
Humanos (CIDH), que responsabilizou o Estado brasileiro por não prevenir
a prática de trabalho escravo e tráfico de pessoas. "A sentença
reafirmou o Artigo 149 do Código Penal", disse padre Rezende,
considerando o fato importante, na medida em que, por essa norma, o
trabalho escravo não se configura apenas por retenção da liberdade, mas
por tratar a pessoa como "coisa", objeto. "É um conceito antigo de
escravidão. "Essa sentença foi um caso especial, muito completa",
acrescentou, lembrando de encontro com advogados da União durante o
julgamento na Corte Interamericana.
"Perguntei se o governo brasileiro estava passando por um processo de
esquizofrenia", disse o padre. Os advogados, contou, negavam a
ocorrência de escravidão na fazenda, algo que já havia sido atestado por
outros órgãos públicos, como os Ministérios Público Federal e do
Trabalho, além da fiscalização dos auditores.
Não se tratava de um coronel com esporas, imagem que utilizou na
conferência, mas de um grupo empresarial poderoso. "O gado é muito bem
tratado, mas as pessoas são maltratadas."
Há décadas acompanhando o problema, o padre Rezende viu avanços a
partir de 1995, quando começaram a atuar os grupos móveis de
fiscalização e o Brasil adotou continuamente a prática de combate à
escravidão moderna, tendo como premissa que o conceito é mais amplo,
abrangendo, principalmente, condições degradantes e jornada exaustiva.
"Até 1995, a prática era acompanhada de muita violência e muito
assassinato", lembrou o padre, informando que no período 1980/1996
ocorreram 95 mortes apenas no sul do Pará, envolvendo fugas de
trabalhadores. O número certamente é maior, dada a existência de
cemitérios clandestinos. Mas essa violência extrema deixou de ser regra.
Pelo menos até agora. "Estamos nos defrontando provavelmente com um
retrocesso às formas mais tradicionais de escravidão", disse Rezende.
"Onde há bolsões de miséria, de desemprego, há uma chance maior de
aliciamento", acrescentou. "A escravidão não é um fato aleatório."
O presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, da
Cidadania, da Participação e das Questões Sociais da Assembleia
Legislativa de São Paulo, Carlos Bezerra Jr. (PSDB), autor da lei
paulista contra a escravidão contemporânea, vê com preocupação o momento
do país, criticando a portaria do Ministério do Trabalho, que segundo
ele "desconfigura o conceito (de trabalho escravo) e rebaixa o Brasil".
Com a mudança legal, o país, que se tornou referência no combate às
formas modernas de escravidão, "passa a ser um caso internacional de
vergonha".
Crédito da Foto:
Ministério do Trabalho / ES
FONTE: http://www.observatoriosocial.org.br/?q=noticia/para-padre-e-ativista-pais-pode-voltar-formas-tradicionais-de-escravidao
FONTE: http://www.observatoriosocial.org.br/?q=noticia/para-padre-e-ativista-pais-pode-voltar-formas-tradicionais-de-escravidao
Nenhum comentário:
Postar um comentário