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segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

  Na informalidade e sem apoio, catadores reciclam muito mais do que mostram dados oficiais

Apesar da dificuldade de mensurar a contribuição dos catadores, por conta da informalidade, dados inéditos do Atlas Brasileiro da Reciclagem mostram que o trabalho da categoria tem sido mais abrangente do que as próprias políticas públicas de limpeza urbana

Lu Sodré/Brasil de Fato
Lu Sodré/Brasil de Fato

São Paulo – Entregue nesta quinta-feira (15) ao presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a primeira edição do Atlas Brasileiro da Reciclagem mostra que, mesmo com a informalidade e a falta de políticas públicas, os catadores de materiais recicláveis conseguem reaproveitar um volume muito maior de resíduos sólidos do que mostram os dados oficiais. De acordo com o estudo, realizado a partir de pesquisas como a Cataki, divulgada neste ano, a coleta feita por trabalhadores autônomos escapa à quantificação formal da coleta realizada ou gerida pela gestão pública. 

A situação, contudo, é um desafio tanto para dimensionar a recuperação de resíduos, quanto para garantir direitos. Os catadores de materiais recicláveis, embora façam um trabalho até mais abrangente do que as próprias políticas públicas de limpeza urbana, estão mais sujeitos à precarização e à exploração.

A conclusão faz parte de uma nota técnica incluída no atlas. O estudo é uma realização da Associação Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (Ancat), com apoio técnico do Observatório da Reciclagem Inclusiva e Solidária (Oris).

Lançado nesta semana na Expocatadores, em São Paulo, o estudo é o maior banco de dados sobre o tema no país. O objetivo, de acordo com a organização, é que o atlas seja um instrumento para o desenvolvimento da reciclagem no país. 

Longe do real

“Entendemos que não dá mais para a gente fazer políticas de resíduos sólidos baseadas na informação daqueles que vivem de transportar lixo e enterrar lixo. E que estão sempre falando que a reciclagem no Brasil é de apenas 3%”, diz Jacqueline Rutkowski, da Oris.

“Quando observamos o trabalho dessas pessoas que estão aqui (catadores) e tudo que vai para a indústria sendo reciclado, sabemos que isso não é verdade. E a gente espera que o atlas possa pôr luz nessa questão e embasar as políticas que vão alavancar a reciclagem. E que temos certeza que o governo do presidente Lula fará”, disse. Jacqueline é uma das coordenadoras do levantamento e participou da entrega do Atlas Brasileiro da Reciclagem ao futuro presidente. 

Os pesquisadores explicam também que a falta de dimensão sobre o tamanho na reciclagem no Brasil fica evidente, por exemplo, no registro da coleta feita pelas municipalidades com caminhões. Embora a Política Nacional de Resíduos Sólidos trate da obrigatoriedade da coleta seletiva, apenas 23% dos municípios brasileiros respeitam. E a avaliação é que qualquer quantificação de volume de coleta pela gestão pública seja subestimado “devido ao desvio de materiais para a reciclagem informal”. Isso porque diversos catadores que atuam nas ruas passam antes do caminhão da coleta convencional e ou seletiva.

“Este ‘desvio’ de materiais recicláveis deságua em ferros-velhos e outros sucateiros espalhados pelos territórios, fazendo com que o volume coletado pelas prefeituras seja menor e, por conseguinte, o que chega aos galpões das cooperativas e associações. Um cenário que permite inferir que as taxas de reciclagem desenvolvidas a partir exclusivamente do que é coletado por municipalidades, ou seja, a coleta pública, não dá conta de estimar o real volume e o valor da reciclagem nas cidades brasileiras”, observa o estudo. 

A falta que faz as políticas públicas

De acordo com o Atlas Brasileiro da Reciclagem, o caso brasileiro mostra a necessidade de estratégias para inclusão de autônomos nas políticas públicas de coleta seletiva. A catação no Brasil, além do papel ambiental, é uma fonte de emprego e renda para a população em situação de rua e que tem baixa escolaridade. 

Uma amostragem de cerca de 10% dos catadores organizados em cooperativas e associações (ACs), distribuídas em 23 estados, indica, por exemplo, 8,8% dos trabalhadores não foram alfabetizados. A maioria deles, 45,8%, têm o ensino fundamental incompleto e apenas 18% completo. Apenas 25% cursaram o ensino médio e somente 2,4% tiveram acesso ao ensino superior. Sendo que somente 1,3% completaram essa etapa. A remuneração média dos catadores associados/cooperados encontrada foi de R$1.392,91. Mas, no caso dos trabalhadores informais, a remuneração é frequentemente inferior ao salário mínimo brasileiro, atualmente de R$ 1.212.

“Levantar informações que possibilitem o reconhecimento da importância da categoria informal deve levar a ações para a redução da precariedade vivida pela maioria dos trabalhadores que atuam no setor da reciclagem como um todo. O nível de precarização do trabalho é também uma lacuna importante de informação, que precisa ser medida e identificada para se construir meios de sua superação. A contribuição relacionada à capacidade do setor informal de aumentar a reciclagem precisa dialogar com ações diretas e efetivas para reduzir a precarização a que estão submetidos os trabalhadores do setor”, indicam os pesquisadores. 

Entre o formal e o informal

A nota técnica também mostra que a permanência como informal aumenta a vulnerabilidade do catador com relação à repressão do Estado. Seja na realização de sua atividade ou no acesso aos materiais. Sem um cadastro geral ou formalizado em cooperativas ou associações, eles ficam à mercê de fiscalizações. E há municípios que aplicam multas em trabalhadores que coletam materiais em locais que seriam proibidos. Os custos para se formalizar hoje também são uma barreira para o trabalhador autônomo. 

Segundo o atlas, a cidade de São Paulo, em 2019, recolheu apenas 10% dos resíduos recicláveis coletados pelo sistema oficial. A maioria, 90% deles, foram para a reciclagem pela ação dos catadores autônomos. Eles atuam tanto nas ruas como nos lixões ainda existentes no Brasil. Em 2010, o Censo Demográfico do IBGE identificou 398.348 pessoas que se autodeclararam catadores no país. Dados do IBGE (2001) informavam a existência de 24.340 catadores nas unidades de disposição final de resíduos no Brasil. Sendo 22% destes com idade inferior a 14 anos. 

Estima-se que este número esteja subestimado, pois muitos municípios podem deixar de declarar tal situação por infringir a legislação. 

Você pode conferir o Atlas Brasileiro da Reciclagem completo, clicando aqui

FONTE:   Clara Assunção | RBA

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