Conquistar
direitos para repartir de forma mais justa o resultado econômico do
trabalho de todos e a renda nacional é a essência da luta sindical.
Melhorar salários, reduzir a jornada de trabalho, garantir saúde,
creches, formação, férias, pagamento de horas extras, entre outros
benefícios, fazem parte da pauta sindical. Às vezes, é preciso parar.
Parar de produzir! Parar de trabalhar! Ir à greve!
A Place de
Grève, em Paris, fica junto ao rio Sena. O termo “greve” em francês
originalmente significava uma área de cascalho ou areia às margens de um
rio. A praça, situada perto da atual Prefeitura de Paris (Hôtel de
Ville), tinha um terreno arenoso que inspirou o nome.
No século
XVII, a praça tornou-se um ponto de encontro para trabalhadores
desempregados que buscavam oportunidades, aguardando que comerciantes ou
empreiteiros os contratassem para trabalhos temporários. Com o tempo, o
termo “greve” passou a estar associado não apenas ao local, mas também
ao ato de recusar o trabalho como forma de protesto.
Place de Grève en 1583″/Théodore Hoffbauer (1839-1922)./ Dessin. Paris, musée Carnavalet.
Quando
os trabalhadores paravam de trabalhar, reuniam-se na praça. Ir à Place
de Grève significava juntar-se naquele local e suspender o trabalho. Daí
deriva o termo e conceito de “greve” no sentido moderno, ligado a
paralisações e reivindicações de trabalhadores por melhores condições.
Nas
relações de trabalho, as greves são um dos pilares fundamentais para a
conquista e defesa de direitos trabalhistas. Historicamente, há dois
séculos, elas têm sido utilizadas recorrentemente como uma forma
legítima de resistência e mobilização coletiva, permitindo que
trabalhadores pressionem por melhorias nas condições de trabalho,
salários e benefícios.
Greve. Pintura na sede da AFL/CIO/Foto: J Goncalves
A
greve é um movimento de oposição e de pressão que busca reposicionar a
relação de poder entre as empresas ou organizações empregadoras
(públicas ou privadas) e os trabalhadores. Em um sistema de relações
desigual, onde empregadores detêm maior poder econômico e político, a
greve é uma maneira eficaz de forçar negociações e acordos em novas
bases, ou de exigir que direitos e acordos sejam cumpridos.
A
história demonstra que os direitos trabalhistas não surgiram de
concessões voluntárias dos empregadores, mas sim de lutas prolongadas e
organizadas.
As greves continuam sendo uma ferramenta essencial
para a defesa dos direitos dos trabalhadores, como mostram os dados mais
recentes divulgados pelo Departamento Intersindical de Estatística e
Estudos Socioeconômicos (DIEESE). Em 2023, o DIEESE registrou 1.132
greves no Brasil, um aumento de 6% em relação ao ano anterior. Essas
paralisações revelam tanto a resistência diante das condições adversas
quanto a busca por melhorias salariais e trabalhistas.
Segundo o
DIEESE, em 2023, cerca de 67% das greves analisadas tiveram sucesso na
conquista de direitos, com atendimento integral ou parcial das
reivindicações. Isso demonstra que a greve é um mecanismo eficaz para a
resolução de conflitos, além de incentivar empregadores e governos a
dialogar e atender às demandas apresentadas nas pautas dos
trabalhadores.
Entre as pautas mais recorrentes estão o reajuste
salarial (40,3%), demandas relacionadas ao cumprimento do piso salarial
(26,7%) e o pagamento de salários atrasados (21,7%). Além disso, houve
reivindicações por melhores condições de trabalho (20,9%) e melhorias
nos serviços públicos (17,4%). No setor público, destacaram-se as greves
dos professores, que exigiram o cumprimento do piso salarial nacional.
Greve: Trabalhadores da Brinquedos Estrela, de Itapira-SP, sob comando do Sindicato
Esses
dados indicam que as greves permanecem essenciais na luta dos
trabalhadores, especialmente em um contexto de flexibilização das leis
trabalhistas e precarização das relações de trabalho. Diante das novas
dinâmicas do mercado de trabalho, como a digitalização e a
flexibilização, a mobilização coletiva continua sendo fundamental para
garantir a dignidade e os direitos dos trabalhadores.
As greves e
as negociações coletivas são elementos essenciais e estratégicos nos
sistemas de relações de trabalho. A análise e reflexão sobre a relação
entre greve e negociação coletiva estão reunidas na obra seminal de
Carlindo Rodrigues de Oliveira, *”Greve e Negociação Coletiva –
Dimensões Complementares da Luta Sindical”*.
O livro apresenta uma
excelente sistematização e análise do sistema brasileiro de relações de
trabalho, com foco nas negociações coletivas e no direito de greve,
além de se posicionar no debate teórico e político sobre a relação entre
prática sindical, greve e negociação coletiva.
Se o DIEESE nos
mostra que as greves continuam presentes na vida sindical, Carlindo
Rodrigues de Oliveira nos oferece ferramentas para sua análise,
indicando que as greves são um meio legítimo e necessário para
equilibrar as relações entre capital e trabalho, sendo essenciais para a
eficiência e eficácia das negociações coletivas.
As greves buscam
a abertura de negociações, como frequentemente ocorre no setor público,
que ainda não tem esse direito garantido e regulado no Brasil. Outras
vezes, a greve é para exigir que acordos sejam respeitados e que
salários atrasados sejam pagos. Ampliar os direitos e melhorar os
salários são objetivos propositivos que mobilizam a maior parte das no
Brasil.
A greve também é uma forma de exercício da democracia no
ambiente de trabalho, dando aos trabalhadores voz ativa na definição de
suas condições laborais. Além de garantir direitos econômicos, a greve
promove a participação política dos trabalhadores e fortalece a
cidadania, contribuindo para uma sociedade mais justa.
Clemente
Ganz Lucio, Sociólogo, coordenador do Fórum das Centrais Sindicais,
membro do CDESS – Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social
Sustentável da Presidência da República, membro do Conselho Deliberativo
da Oxfam Brasil, consultor e ex-diretor técnico do DIEESE (2004/2020).