Estudo mostra que, todos os anos, 33% das contribuições previdenciárias do trabalhador não entram nos cofres do INSS
O INSS deixou de arrecadar pelo menos R$ 30,4 bilhões em 2015 devido a
sonegação ou inadimplência, de acordo com estudo do Sindicato Nacional
dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait). Esse valor representa pouco
mais de um terço (35%) do chamado "deficit da Previdência", que naquele
ano foi de R$ 85 bilhões.
Os valores são relativos a contribuições previdenciárias do
trabalhador retidas na hora do pagamento do salário, que variam de 8% a
11% da folha salarial. A arrecadação desse tipo foi de R$ 60,2 bilhões
em 2015, mas deveria ter sido de R$ 90,6 bilhões, segundo o cálculo dos
auditores com base nos dados de empregos formais do Ministério do
Trabalho e Emprego. Ou seja, 33% do que deveria ter sido pago como
contribuição previdenciária do trabalhador em 2015 não chegaram aos
cofres da Previdência.
A chamada “ineficiência arrecadatória” tem crescido ao longo dos
anos. Esse percentual, que inclui dívidas e sonegação, subiu de 22% em
2012 para 33% em 2015, segundo o Sinait. Nesses quatro anos, R$ 92
bilhões referentes a contribuições previdenciárias do trabalhador
deixaram de ser arrecadados.
Entre os sonegadores, há duas fraudes mais comuns, segundo o
presidente do Sinait, Carlos Silva. Em uma deles, empresários pagam
contribuições menores do que a realmente devida. Isso é feito
desconsiderando parte do salário do cálculo, como bonificações e outros
auxílios.
Na outra fraude recorrente, grandes empresas transferem funcionários
para subsidiárias optantes pelo Simples, onde as contribuições sobre a
folha têm alíquotas menores, sem, na verdade, poder fazer isso.
Por fim, há ainda empresas que descontam a contribuição
previdenciária do salário do trabalhador e não a repassam ao INSS – o
que é crime de apropriação indébita. Silva destaca que a Receita
normalmente fiscaliza grandes empresas, e muitos dos sonegadores são
pequenos e médios empresários.
Redução da fiscalização
Os valores desviados seriam ainda maiores se não fosse a ação de
fiscalização e cobrança da Receita Federal, órgão responsável por evitar
a sonegação e cobrar devedores. Essa fiscalização, porém, tem reduzido
nos últimos dois anos. O valor cobrado caiu 19% desde 2014, segundo
conta da Receita Federal que inclui a fiscalização previdenciária e a
cobrança automática (cruzamento de dados). Em 2014, foram cobrados R$
27,4 bilhões e, em 2016, essa cobrança foi de R$ 22,1 bilhões.
A Receita informa que a queda se deve à reivindicação de aumento
salarial dos auditores fiscais. Durante o segundo semestre de 2015 e o
início de 2016, eles reduziram as autuações como forma de pressionar o
governo por aumento salarial. O órgão disse ainda que “os valores não
lançados nesse período devem ser compensados com as autuações em 2017”.
O Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal
(Sindifisco Nacional) afirma que a reivindicação dos auditores teve
reflexo na redução da fiscalização, mas não explica sozinha a queda das
cobranças. “Ano a ano, a Receita sofre com reduções expressivas no
orçamento, falta de concursos para recomposição de quadros, redução
gradativa no pessoal especializado e sobrecarga de trabalho”, diz
Cláudio Damasceno, presidente do sindicato. No ano passado houve corte
de R$ 433 milhões no orçamento da Receita. De acordo com dados do
Sindicato, existem 9,7 mil auditores fiscais (para fiscalizar todos os
desvios, não apenas previdenciários), enquanto o Ministério do
Planejamento recomenda que sejam 20 mil auditores.
Enquanto as fiscalizações minguam, a inadimplência relacionada às
contribuições previdenciárias é crescente no Brasil, segundo auditoria
do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre as contas da Previdência
Social. “A inadimplência referente a essas contribuições apresentou
tendência de elevação, saindo da faixa de 7% [em 2010] para alcançar
10,5% em 2016”, afirma o relatório final do TCU, publicado no dia 22 de
junho.
Segundo a Receita informou ao TCU, dos R$ 313 bilhões declarados em
2016, R$ 32,78 bilhões não foram recolhidos por inadimplência (empresas
que assumem a dívida mas não pagam). A Receita Federal informou à
Repórter Brasil e também ao TCU que não tem projeções sobre a sonegação
de contribuições previdenciárias.
No seu trabalho de fiscalização, a Receita tenta cobrar
administrativamente os empresários inadimplentes, aplicando multas e
juros. No caso dos sonegadores, nem sempre o órgão fiscalizador os
identifica, já que eles usam recursos fraudulentos. A Receita informou
que, nos casos em que descobre que há apropriação indébita das
contribuições do trabalhador, encaminha denúncia ao Ministério Público
Federal.
Após as cobranças administrativas da Receita, se o empresário
continua sem pagar suas obrigações previdenciárias, o caso é enviado à
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) para que a empresa seja
inscrita na dívida ativa da União. A PGFN, então, aciona a Justiça para
cobrar os valores devidos acima de R$ 20 mil. A recuperação das dívidas,
porém, é baixa. Em 2016, somente 0,9% delas foram recuperadas, segundo a
Procuradoria.
As contribuições previdenciárias sonegadas são ainda maiores do que
apontam os auditores fiscais do trabalho. O levantamento só leva em
conta a contribuição previdenciária do trabalhador. Mas, além dela,
existe a contribuição patronal e a contribuição sobre a comercialização
de produtos agrícolas. Segundo relatório do TCU, a sonegação do regime
rural chega a 70%.
O problema da sonegação e da inadimplência ganha atenção neste
momento em que, sob o argumento do deficit, o Congresso discute
a reforma da Previdência, que dificulta o acesso à aposentadoria e
estabelece uma idade mínima para ter direito ao benefício.
Para o presidente da CPI da Previdência, senador Paulo Paim (PT-RS), a
sonegação e a inadimplência mostram que a Previdência Social tem um
problema de gestão – e não de reforma. “Temos que dar mais estrutura
para a Receita e para os auditores fiscais, porque eles têm condições de
recuperar recursos que foram desviados da Previdência, e dali para a
frente, com uma fiscalização dura, resolvemos a questão”, analisa.
O presidente do TCU, ministro Raimundo Carreiro, é outro a defender
publicamente um ‘choque de gestão’ na Previdência, classificando como
“inadmissíveis” o aumento da inadimplência das contribuições
previdenciárias, a ausência de estudos sobre sonegação e a recuperação
de apenas 1% da dívida previdenciária.
O relatório do órgão denuncia ainda a chamada ‘cultura do
inadimplemento’, gerado pela edição sucessiva de programas de
refinanciamento da dívida, com redução de juros, multas e encargos, o
que estimularia empresários a deixarem de pagar os tributos na esperança
de fazê-lo com descontos no Refis seguinte.
Já na avaliação de Fernando de Hollanda Barbosa Filho, economista da
FGV (Fundação Getúlio Vargas), os valores relativos à inadimplência e à
sonegação são altos e o governo deveria tomar medidas para reduzi-los.
“Mas, mesmo se conseguíssemos zerar a inadimplência, continuaríamos
precisando de uma reforma na Previdência, por conta do alto deficit e da
sua perspectiva de aumento ao longo dos anos”, afirma.
FONTE: site da CUT (http://cut.org.br/noticias/sonegacao-e-inadimplencia-equivalem-a-um-terco-do-deficit-da-previdencia-8791/)