No BDF Entrevista, economista que lança este mês "Neocolonialismo à Espreita" analisa o Brasil contemporâneo
Brasil é o quarto maior mercado consumidor de bens e serviços digitais, e não produz
O Brasil dos anos 1930 foi definido pelo poeta Oswald de Andrade como o país da sobremesa, por restringir sua produção a commodities (matérias-primas)
não essenciais como café, fumo e açúcar. Atualmente, entretanto, se
tornou agora o país que exporta alimentação para animais, tendo como
principal produto, a soja. Essa é a tese do economista Marcio
Pochmann que exemplifica a desindustrialização nacional dos últimos
anos.
Pochmann, que é professor de Economia da Unicamp (Universidade Estadual
de Campinas) e da UFABC (Universidade Federal do ABC), lança este mês,
pelas Edições Sesc São Paulo, o livro Neocolonialismo à Espreita: mudanças estruturais na sociedade brasileira.
A publicação é um estudo sobre transformações sociais, políticas e
econômicas do Brasil no século 21, dentre elas, a incapacidade do país
de se modernizar, diante de um mundo cada vez mais digital.
Convidado desta semana no BDF Entrevista, Pochmann,
ex-presidente do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e da
Fundação Perseu Abramo, explica que não é contra a produção e exportação
de commodities agrícolas, mas que ficar restrito a isso “não
dá a concretude que se imagina de um país soberano, especialmente quando
estamos diante de uma era digital, que vai dividindo o mundo entre os
países que produzem bens e serviços digitais, e os países que não
conseguem produzir bens e serviços digitais”.
“O Brasil se caracteriza por ser, hoje, o quarto maior mercado
consumidor de bens e serviços digitais, e não produz. Então, nós
dependemos muito do exterior e, ao mesmo tempo, o tipo de ocupação e
negócios possíveis dentro desta perspectiva, de certa maneira, são
postos de trabalho que a gente já está conhecendo [precarizados]”,
completa.
Após o salto de crescimento dos anos 1950, durante o governo do
presidente Juscelino Kubitschek, quando o país passou a investir
maciçamente em sua industrialização, o Brasil chegou a ser considerado
uma potência em ascensão. Já nos anos 1990, quando bate às portas do
país à globalização, a escolha das elites, segundo Pochmann, é por
abraçar o capital financeiro.
“Naquele momento estavam em construção as chamadas cadeias globais de
valor e o Brasil, de certa maneira, se abriu a esta nova realidade, sem
constituir os elementos fundamentais que permitiriam continuar avançando
a sua estrutura produtiva.”
“Nossa burguesia, especialmente industrial, foi se convertendo de um
lado, em rentista, uma parte vendeu o que tinha de produção de produtos,
fábricas e com esse dinheiro virou amante dos juros. Se a gente for
olhar hoje, no Brasil, está faltando remédios, porque não está tendo
acesso aos insumos de partes dos remédios que vêm do exterior. Nos
tornamos um país muito dependente nesse sentido e esse é o risco do
neocolonialismo no país”.
Na conversa, o professor fala ainda sobre a crise econômica do país, as
possibilidades de um desenvolvimentismo sustentável, a precarização cada
vez mais latente do trabalho e as novas formas laborais.
“Há uma dinâmica nova dos postos de trabalho, que vem pela presença dos
aplicativos, da internet, que permite trabalhar em qualquer lugar, não
em um lugar determinado. Enfim, há mudanças que, de certa maneira,
exigiriam, ao nosso modo de ver, uma CLT digital. Ou seja, uma
consolidação das leis sociais do trabalho olhando para esse novo mundo
digital, não mais o mundo do trabalho imaterial, da indústria, da
construção civil, da agricultura”, afirma Pochmann.
Confira a entrevista na íntegra:
Brasil de Fato: O senhor está lançando o livro Neocolonialismo à Espreita,
pelas Edições Sesc São Paulo. A realidade neocolonialista do Brasil, no
entanto, não é uma novidade. O país pouco superou o colonialismo, por
exemplo. Se industrializou, foi promessa de país do futuro, teve
crescimento exponencial em algum momento, mas a ideia de que somos um
país exportador de matéria-prima e que os interesses internacionais
ganham espaço de destaque por aqui só tem se enraizado cada vez mais,
não é?
Marcio Pochmann: Sim. Oswald de Andrade, ainda na
década de 1930, ele indicava que o Brasil daquela época era o país da
sobremesa. Porque produzia produtos que equivaliam à sobremesa, não ao
prato principal. Produzia café, laranja, enfim, produtos que não eram
essenciais, digamos assim, na moldagem de um desenvolvimento e da
integração do país, do ponto de vista da estrutura produtiva e do
emprego.
Mas obviamente que o país fez avanços consideráveis na década de 1930,
praticamente até a 1970, 1980, construiu uma planta industrial complexa e
diversificada, uma ampla classe operária industrial, uma ampla classe
média assalariada, ou seja, o Brasil estava num nível muito próximo dos
chamados países desenvolvidos, do ponto de vista da estrutura produtiva.
Nós produzimos, por exemplo, computadores nos anos 1980, produzimos
centrais telefônicas avançadas para aquela época, mas, infelizmente,
entramos em um outro momento, que é, de certa forma, regressão da
estrutura produtiva. Se naquele nos anos 1930, Oswald de Andrade chamava
atenção que o Brasil era um país de produtos de sobremesa, o que dizer
dos produtos que hoje nós produzimos e exportamos, que, de certa
maneira, alguns deles servem de alimentação para animais?
Nada contra produzir e exportar isso, faz parte, evidentemente, mas
somente isso, não dá a concretude que se imagina de um país soberano,
especialmente quando estamos diante de uma era digital, que vai
dividindo o mundo entre os países que produzem bens e serviços digitais,
e os países que não conseguem produzir bens e serviços digitais e,
portanto, importam, são dependentes disto.
E, nesse sentido, o Brasil se caracteriza por ser, hoje, o quarto maior
mercado consumidor de bens e serviços digitais, e não produz. Então, nós
dependemos muito do exterior e, ao mesmo tempo, o tipo de ocupação e
negócios possíveis dentro desta perspectiva, de certa maneira, são
postos de trabalho que a gente já está conhecendo.
Então, a ideia de Neocolonialismo à Espreita é que, numa certa
maneira, estamos nos submetendo a essa condição que já fora colonial, e
que agora se apresenta. Mas é importante refletir sobre isso, até para
dar um basta. É preciso o país passar por uma outra fase, porque essa
não nos dá futuro.
O senhor fala bastante no livro sobre esse processo de
desindustrialização. Porque essa escolha pela desindustrialização? Hoje
nós somos exportadores de produtos agrícolas como a soja, entre outros,
mas não fazemos a manufatura. Durante um tempo, tivemos, por exemplo,
polos petroquímicos, petrolíferos e parte deles foi destruído.
Parece-me que está relacionado à forma com que o Brasil ingressou na
globalização, a partir dos anos de 1990, ou seja, naquele momento
estavam em construção as chamadas cadeias globais de valor e o Brasil,
de certa maneira, se abriu a esta nova realidade. Sem constituir os
elementos fundamentais que permitiriam continuar avançando a sua
estrutura produtiva.
Nós operamos, por um longo período, com taxas de juros muito elevadas,
que desestimularam a produção e converteram os recursos disponíveis ao
mercado financeiro, nós operamos, por muito tempo, com taxa de câmbio
valorizado, ou seja, era mais importante importar, do que produzir
internamente.
Isso fez com que, digamos, a nossa burguesia, especialmente industrial,
fosse se convertendo de um lado, em rentista, uma parte vendeu o que
tinha de produção de produtos, fábricas e com esse dinheiro virou amante
dos juros. De outra parte, a burguesia industrial que não vendeu as
suas fábricas, mas se converteu em comerciante, pois passou a importar
do exterior. E nesse sentido, o comerciante quer comprar barato e vender
caro e para isso é fundamental a nossa moeda valorizada.
Então, houve uma equação nesse sentido, que fez com que nós
ingressássemos na globalização, nas cadeias globais, como país produtor
de bens, muito simples e ,de certa maneira, o país perdeu a soberania,
pois passou a ser conduzido por grandes corporações transnacionais, que
fizeram parte das privatizações, que fizeram parte, de certa maneira,
colocando no espaço global de produção, partes que estão relacionadas à
nossa dependência de insumos.
Pega um setor muito conhecido, o de fertilizantes. O Brasil, por
exemplo, era superavitário nos anos 1980, aí vem a privatização,
entramos na globalização, tudo que produzimos aqui é carroça, como dizia
um certo presidente. Então, nós desfizemos das ditas carroças, e nos
tornamos importadores de fertilizantes.
Aí vêm os governos do PT que tentam, de certa maneira, recuperar essa
parte da produção. Recuperam em parte, mas infelizmente de 2016 para cá,
nós jogamos fora novamente, e diante dos conflitos que estamos vivendo,
a própria pandemia, que vai dificultando a forma de funcionamento das
cadeias globais, o Brasil não pode ficar três meses sem importar
fertilizantes, que para o seu agronegócio, em um setor primário que é.
Mas se a gente for olhar hoje, no Brasil, está faltando remédios, porque
não está tendo acesso aos insumos que vêm do exterior, em função da
pandemia, do jeito que está na China. Então, nós nos tornamos um país
muito dependente e esse é o risco do neocolonialismo no país.
A taxa de desemprego já foi mais alta. Mas a grande falácia aí, é
que esses empregos gerados são, em suma, precarizados, sem amparo na
legislação trabalhista, são bicos, informais mesmo. Essa precarização
tende a ser uma constante na nossa economia?
Em primeiro lugar, temos que reconhecer que o último ano em que o Brasil
teve crescimento além da população, crescimento per capita, foi 2003.
Ou seja, esse é o momento mais trágico do capitalismo no Brasil. Se nós
pegarmos desde a introdução do capitalismo, junto com a Abolição da
Escravatura, em 1888, não há período histórico tão ruim como esse que
estamos vivendo do ponto de vista econômico.
O país está há oito anos sem crescer, o último ano que a inflação no
Brasil foi abaixo do crescimento econômico foi 2010. Já são 12 anos que a
gente não sabe o que é crescer acima da inflação, por exemplo. Então,
nesse ambiente, é muito difícil gerar empregos de qualidade. O emprego
possível é só um emprego precário e, ao mesmo tempo, se você depende da
importação de produtos primários, ou seja, o que é possível gerar são
esses trabalhos de plataforma digital que são muito precários. É isso
que está chamando atenção.
A ideia da CLT, a Consolidação das Leis do Trabalho, foi pensada lá nos
anos 1930, embora a CLT nasça mesmo como uma consolidação de mais de 15
mil leis que haviam em 1930, 1940, mais especificamente em 1943. Ela, na
verdade, olhava a dinâmica de um país que cresceria de forma urbana e
puxado pela indústria. Então, eram empregos de maior qualidade e capaz
para as empresas médias, grandes e até pequenas pagarem um contrato de
trabalho que previa, além do salário, direitos sociais e trabalhistas.
O que nós estamos vendo hoje é, há uma dificuldade disso ocorrer para
grandes segmentos que não têm condições para ter uma margem de lucro e,
ao mesmo tempo, contratar com o emprego, com direitos sociais. Então,
vem essa ideia de que a saída é o empreendedorismo, é um emprego, na
verdade, sem direitos. É uma decorrência, no meu modo de ver, do quadro
econômico desfavorável que vivemos, ou seja, é preciso mudar o quadro
econômico para poder termos empregos de qualidade.
Mas tem um fato ainda melhor, que é importante reconhecer, que há uma
dinâmica nova dos postos de trabalho, que vem pela presença dos
aplicativos, da internet, que permite trabalhar em qualquer lugar, não
em um lugar determinado. Enfim, há mudanças que, de certa maneira,
exigiriam, ao nosso modo de ver, uma CLT digital.
Ou seja, uma consolidação das leis sociais do trabalho olhando para esse
novo mundo digital, não mais o mundo do trabalho imaterial, da
indústria, da construção civil, da agricultura. Então, é um outro mundo
que se abre e que o Brasil precisa também estar atento a isso, pois nós
temos uma imensidão de trabalhadores e trabalhadoras, submetidos a essas
novas condições, sem ter uma regulação adequada de trabalho.
É o que o professor Ricardo Antunes chama de Uberização do
Trabalho, os trabalhadores que se entendem como empreendedores, mas que
acabam por cair nessa precarização absurda. Mas, por outro lado, essas
oportunidades de trabalho foram uma porta importante, por exemplo, para
os jovens. Como lidar com essa realidade também na questão, por exemplo,
dos sindicatos, de como garantir que essas pessoas tenham direitos
básicos? As plataformas, por exemplo, têm se recusado em dar essas
garantias.
Essas plataformas são possíveis em países nas condições em que o Brasil
hoje se encontra. Porque não tem outra possibilidade de ter uma massa de
pessoas desempregadas, que aceitam fazer qualquer coisa para
sobreviver. E isso está gerando um conjunto grande de trabalhadores e
trabalhadoras do Brasil, que aceitam atividades gerais, fazem qualquer
coisa: transportam pessoas durante o dia; trabalham como segurança à
noite; vendem produtos de embelezamento durante o final de semana. Ou
seja, jornada de trabalho de 70, 80 horas.
E se perguntar a elas o que são, o que fazem: “Olha, eu eu sou
qualquer coisa, eu faço qualquer coisa”. Ela não tem identidade, não tem
pertencimento, como havia com um trabalhador de uma metalurgia, na
construção civil. Ela tem uma identidade em função do trabalho que
realiza, tem um pertencimento ao sindicato, há uma categoria,há uma
carteira de trabalho.
Então, o que nós estamos vendo, de certa maneira, é uma generalização de
atividades e que, não permitindo o pertencimento e a identidade, na
verdade há um descolamento das instituições de representação de
interesse e isso ocorre também não apenas no mundo do trabalho, mas
ocorre também no mundo estudantil. Todas as associações, hoje, estão com
dificuldades de representar: os partidos políticos; associações
estudantis; associação de moradores.
Eu diria assim, a forma de representação que foi muito importante em uma
outra era, a era industrial, hoje ela perde importância nesta era
digital, que as pessoas demandam, digamos assim, uma representação não
verticalizada mas, mais horizontalizada. Um espaço de construção de
identidade, de sociabilidade e, de alguma forma, é que a gente percebe
isso, ganhando dimensão em parte das igrejas no Brasil e também no
próprio crime organizado, que vem conectando, de uma forma diferente,
essas massas sobrantes, que fazem qualquer coisa para sobreviver.
Há um deslocamento da antiga relação salarial entre capital e trabalho,
para uma relação crédito e débito. Ou seja, as pessoas sabem que tem um
débito no mês, tem que pagar luz, alimentação, aluguel, etc, sabem
quanto custa viver, e elas sabem que também não tem um crédito, não tem
um salário que é suficiente, então elas vão realizar qualquer tipo de
ocupação, ilegal ou legal, para buscar esse crédito que permita fechar o
mês ao longo do tempo.
A inflação chegou a 12%, e no mês de abril, a taxa é a maior dos
últimos 27 anos. Especialmente no momento em que vivemos, em que a
renda caiu bruscamente, o trabalho vai rareando, a inflação corrói a
vida, principalmente dos mais pobres. Como contornar esse problema,
fugindo da ortodoxia de aumento da taxa de juros, que já é uma constante
do tripé macroeconômico brasileiro?
É, de fato isso é o conhecido, digamos. É o debate no âmbito da
gestão da economia brasileira. Um país sem rumo, se trata de gerir e
vejo que, de certa maneira, os problemas que o Brasil tem, não são, de
certa maneira, problemas fundamentalmente econômicos.
O Brasil tem hoje capital, dinheiro, disponível para ser investido. Só
aplicado em títulos públicos, atualmente, são cerca de R$ 7 trilhões
disponíveis, que poderiam estar sendo aplicados em outras atividades,
que não as financeiras, por exemplo.
E nós temos atividades que deveriam, em tese, estar sendo submetidas a
um programa de investimentos, como é o caso da infraestrutura, mas
também o problema da habitação, grande parte da população não tem
habitação, os que têm, são habitações precárias. Não tem portos, não tem
rodovias, ou seja, o país está parado. Então, há o que fazer, é um país
ainda em construção.
Nós não temos 10% das terras, segundo a Embrapa e a Nasa, férteis no
Brasil, ocupadas com produção. Então, é um país que tem o que ser feito,
tem capital e ainda tem mão de obra disponível, ou seja, os elementos
fundantes para a economia avançar estão dados. O problema é como você
une esses três elementos, em um projeto de desenvolvimento.
E aí, me parece, é uma função da política. Os economistas não têm muito o
que dizer sobre isso. Isso é uma questão da grande política. É como
construir uma maioria que sustente, na realidade, um projeto que junta
esses três fatores, porque estão disponíveis, embora, infelizmente, sem
articulação, sem integração, leva à paralisia, à pobreza e, obviamente, a
esse quadro dramático onde, inclusive, se questiona a própria
democracia no país.
O neodesenvolvimentismo brasileiro do começo do século 20, por
vezes, se chocou com questões territoriais e ambientais. É possível
aliar um projeto como esse, do começo do século, às necessidades
imediatas de transição para uma economia verde? O senhor comenta,
inclusive, que esse período, mesmo com o crescimento, não deveria ser
repetido necessariamente.
Sim, de fato, não se trata, evidentemente, de crescer por crescer. Se
trata justamente de reconhecer que a perspectiva aberta do
desenvolvimento sustentável, que é algo que vem desde o final dos anos
1980 sendo apregoado por muitos fóruns, congressos, eventos de defesa do
desenvolvimento sustentável, ele não se sustentou.
Porque, segundo vários informes, inclusive do IPCC (Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), demonstram na realidade
que nós já ultrapassamos o ponto de não retorno, estamos vivendo um novo
regime climático, em que a temperatura é mais alta e agora temos que
gerir as consequências disso.
Esse quadro, insistir em um desenvolvimento que possa ser mais
destrutivo do que o que já temos, é uma tragédia. Obviamente que nós
precisamos parar para pensar e, de certa forma, ter um desenvolvimento
que recupere o que foi destruído mas, ao mesmo tempo, reconheça que o
desenvolvimento deva ser ajustado aos diferentes biomas, à realidade de
qualquer bioma que nós temos.
Porque, uma coisa é defender industrialização em áreas que são, na
verdade, amplas do ponto de vista ambiental. Levar uma indústria para o
meio de uma floresta, não me parece mais adequado, reconhecendo que há
uma diferenciação dos biomas.
Essa ideia de transição ecológica, ambiental e social, é uma ruptura com
a perspectiva do desenvolvimento sustentável, porque esse
desenvolvimento sustentável não se demonstrou, até agora, sustentável. E
a questão ambiental é central, me parece, olhando os problemas que nós
vivemos hoje no mundo.
Muito se fala sobre a economia verde ser capaz de gerar muitos
empregos, novos postos de trabalho. O quão real é isso e o quão concreto
isso é no médio prazo? Porque fazer esse planejamento no Brasil, a
longo prazo, é muito difícil. Você tem eleições a cada quatro anos e
metade do mandato, praticamente se torna estratégico para uma próxima
eleição, para a reeleição ou para o seu sucessor.
Eu começaria dizendo que aqui, a questão do emprego, deve ser colocada
num outro patamar. Nós temos hoje, digamos, de forma conjuntural, um
gravíssimo problema do desemprego. Nós devemos em torno de 50 milhões de
pessoas sobrantes no Brasil, que não tem mais funcionalidade no
capitalismo.
Basta olhar as principais ocupações do Brasil. As três principais
ocupações não são diretamente vinculadas à atividade econômica
mercantil. Nós estamos falando de trabalho doméstico, por exemplo,
estamos falando do trabalho de segurança privada, o próprio trabalho
vinculado às plataformas digitais, não se vinculam muito à atividade
econômica. São entregas que são feitas de insumo, alimentos, pessoas,
etc.
Tudo isso para dizer o seguinte: não me parece que o emprego imaginado
no capitalismo virá da agricultura, da indústria. Mas há um espaço muito
importante para o emprego, que está relacionado aos cuidados. Como
assim cuidados? Bom, em primeiro lugar, cuidados de pessoas. Nós
cuidamos muito mal dos brasileiros, temos uma parte crescente da
população que está se tornando envelhecida.
Olhando, inclusive, a dinâmica demográfica, neste século 21, a população
não vai crescer. Em 2100, possivelmente, será a mesma população do ano
de 2000. Nós estamos abandonando a trajetória de um país que tinha um
crescimento muito rápido da população, como foi o século 20, por
exemplo, que multiplicou por 10 vezes a sua população. É um
envelhecimento, então precisa cuidar das pessoas, isso é uma coisa
fundamental.
Cuidar através da saúde, da educação, da assistência, esses segmentos
demandam muitos trabalhadores e trabalhadoras, mas também o cuidado das
nossas cidades. Nossas cidades estão degradadas, os principais centros
hoje ocupados por, infelizmente, brasileiros que não têm onde residir. O
nosso sistema de transporte é horrível, então precisamos cuidar das
nossas cidades, o que temos.
E a questão também do cuidado do meio ambiente. Precisamos plantar
muitas árvores, reconstituir os biomas e tudo isso é passível de muita
ocupação. Não penso que virão os empregos, ainda que possam aparecer na
indústria, na agropecuária, mas esses setores não responderão por
empregos em grande quantidade e, portanto, esse sentido de cuidados, ou
seja, que a economia volte a ser um meio e que a política defina o
projeto.
Porque a gente está caminhando, já há algum tempo, com sinais
invertidos, ou seja, a economia transformou-se num fim e a política é um
meio de viabilizar a economia. Esta inversão é fundamental. A política,
nós precisamos definir, enquanto sociedade, o que queremos daqui há 10
anos e a economia deve estar em função deste projeto político, a ser
estabelecido democraticamente.
A economia vai ser tema central nas eleições deste ano, se
conseguirmos escapar das pautas de costumes, como alguns chamam. Mas as
propostas de revogação do Teto de Gastos, da Reforma Trabalhista e até
da Previdenciária, já estão na pauta, defendidas pelo campo
progressista, principalmente pelo ex-presidente Lula, que já deu
diversas declarações a respeito. Como o senhor analisa esse cenário? À
época, inclusive sobre a Reforma da Previdência, o senhor chegou a
apresentar um estudo sobre os caminhos para que fosse evitada, que ela
não seria necessária naquele momento e naqueles termos.
Eu vejo que esse debate sobre o Teto de Gastos, sobre a Reforma
Trabalhista, é de certa maneira, instrumental, é quase como gerir a
economia. Veja, nós podemos simplesmente retirar o que foi denominado
como Reforma Trabalhista, mas os empregos bons não aparecerão pelo fato
de você mudar a legislação trabalhista. O que determina o emprego é, de
certa maneira, como a economia cresce e para onde ela anda. Então, esse
debate gera muita atenção.
Me parece que é importante saber para onde nós queremos ir, ou seja,
qual é o projeto de país que a gente quer. E a partir desse projeto é
que nós temos que rever o que foi feito no âmbito do trabalho, o que foi
feito no âmbito do orçamento público, porque senão, a gente volta
novamente a discutir a economia como um fim.
É preciso alterar os instrumentos, porque alterando os instrumentos a
gente volta a crescer. E não era verdade. Antes de terem feito a Reforma
Trabalhista, antes de terem imposto o Teto de Gastos, a economia
brasileira já não estava andando, nós já estávamos parados. Não quero,
obviamente, desconhecer o que você levantou como aspecto relevante, mas
me parece que esse é um debate que poderia ser mais rico.
É o seguinte: “os candidatos querem levar o país para tal lugar, você é a
favor ou contra?”. A partir deste desenho, “olha, eu quero ser um país
assim, ou assado”. Bom, a partir disso, então vamos ver como a economia
precisa ser reorganizada, como o trabalho precisa ser reelaborado, para
chegarmos naquele lugar em que a sociedade decidiu que quer ir.
Porque, senão, ficamos neste resgate pontual: “tira o Teto”, e aí,
resolve? Não sei se resolve. Porque, na verdade, você não tem um
horizonte para onde ir. Quando você não sabe para onde ir, qualquer
evento serve.
O senhor já foi um político, já tentou eleição, conhece muito
bem o ambiente político do país. Como está vendo esse clima eleitoral de
2022?
Olha, eu imaginava que poderia ser um clima eleitoral mais favorável, do
ponto de vista das ideias, da discussão do Brasil, mas pelo que tenho
visto agora, me parece que será um clima eleitoral muito difícil para
algum debate mais adequado e decente.
Muita mentira, muito jogo que de certa maneira, ao invés de atrair para a
política, pode levar a um afastamento da sociedade. A questão da
internet, as novas regras, Isso nos coloca num cenário que eu vejo com
dificuldades. Por isso que era importante uma manifestação das
instituições em defesa da democracia, que buscasse resguardar, na
realidade, uma discussão séria do Brasil.
São 200 anos da Independência, o Brasil, em 1922, há 100 anos atrás, fez
um debate interessante para onde deveria, era já uma República
carcomida, estava ali, em curso, movimentos importantes como o dos
Tenentistas, a Semana de Arte Moderna, ou seja, havia oxigenação na
sociedade.
A gente precisa abrir novamente para possamos pensar e trabalhar em
torno de uma visão mais ampla de Brasil, menos apequenada, pelo o que eu
estou vendo, infelizmente acontecer nos dias de hoje.
Edição: Rodrigo Durão Coelho
FONTE: BRASIL DE FATO
https://www.brasildefato.com.br/2022/05/10/marcio-pochmann-brasil-precisa-de-novas-leis-trabalhistas-para-lidar-com-uberizacao
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