Na sessão plenária do dia 14 de outubro de 2021, o Supremo Tribunal Federal deu continuidade ao julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5.766, que discute a constitucionalidade de dispositivos da Lei nº 13.467/17 relativos ao acesso de pessoas pobres à Justiça do Trabalho e à responsabilidade pelo pagamento dos custos do processo. A questão controvertida é específica: a efetividade do benefício da justiça gratuita ante os limites impostos pela “Reforma Trabalhista”.
O Ministro Luiz Fux, Presidente do Tribunal,
alinhou-se ao voto do Ministro Relator Luís Roberto
Barroso, para promover uma “análise econômica do
Direito”, argumentando que a “Reforma Trabalhista”
buscou evitar o que chamou de “demandas frívolas”.
Os dois votos, lamentavelmente, seguem a mesma linha
e desconhecem por completo a realidade das
trabalhadoras e trabalhadores brasileiros com ou sem
registro em carteira. Dialogam com um mundo
abstrato, citando autores e a Constituição
estadunidense. Dialogam, apenas, com o grande
capital e seus perversos efeitos sobre os mais
pobres. Ignoram, abertamente, estudos promovidos por
entidades como o Dieese, Cesit, Ipea e outras
instituições que utilizam dados da realidade
brasileira.
No Brasil, há recordes de taxas de rotatividade.
Segundo dados e fontes seguras, mais de 60% da mão
de obra empregada (vínculo formal) deixa o trabalho
anualmente (taxa global que considera todos os tipos
de desligamento). O que representa, em números, a
totalidade da população de muitos países europeus.
Parte expressiva dessas pessoas recebem até 2
salários- mínimos e não receberam seus direitos
básicos. O número de processos judiciais deveria ser
baixo, se isso fosse o resultado do elevado
cumprimento dos direitos dos trabalhadores.
Exigir que o trabalhador procure a Justiça apenas se
tiver “certeza” de procedência de seus pedidos é
exigir um cálculo impossível de ser realizado.
Limita, inclusive, o exercício da própria
jurisdição. Seria o caso, então, de se condenar em
dobro sempre que se reconheça um direito não
satisfeito ao seu tempo? Disso não se fala, ao
contrário, na ADC nº 58, ao limitar a aplicação de
juros e correção monetária nos créditos trabalhistas
judiciais, incentivou-se o mal pagador e a demora no
pagamento de créditos de natureza salarial.
A “Reforma Trabalhista” foi apresentada como medida
eficiente para gerar empregos. Não gerou. Não vai
gerar. O que ela produz é mais precariedade, menos
recursos para a grande maioria da população
brasileira, empregos de péssima qualidade e
desproteção social. É causa de insegurança jurídica
e econômica para a grande parcela da população
brasileira que vive exclusivamente de salário e não
de renda financeira.
Para os Ministros, é legítima a atuação do Poder
Legislativo buscando diminuir os números de
litigiosidade aventureira no País, desconhecendo
que, conforme estatística do Tribunal Superior do
Trabalho1, a esmagadora maioria dos processos pedem
pagamento de aviso-prévio, multa de 40% do FGTS,
multa por atraso no pagamento, férias, 13º salário e
outros itens básicos de puro descumprimento da
legislação trabalhista.
Essa lógica de sequestro do Direito pela economia é
atentatória aos Direitos dos mais vulnerabilizados;
contraria a busca por emprego justo, salário decente
e vida digna; impõe um cálculo de “custo dos
direitos” a partir de princípios de eficiência e
acumulação de renda e riqueza dos mais poderosos;
afasta-se da perspectiva de bem-estar e da redução
efetiva da pobreza; mantém uma economia de
sobreviventes, com o discurso do mínimo existencial.
Enfim, seria preciso perguntar: quanto custa não ter
Direitos?
O processo deverá ser retomado na próxima
quarta-feira, na sessão telepresencial do dia 20 de
outubro, colhendo os votos dos demais Ministros e
Ministras.
Registre-se o voto divergente apresentado pelo
Ministro Edson Fachin, que declarou a integral e
completa inconstitucionalidade dos dispositivos
questionados, ressaltando que “a gratuidade da
Justiça se apresenta como um pressuposto para o
exercício do direito fundamental ao acesso à própria
Justiça”. Bem como a manifestação do Ministro
Ricardo Lewandowski, que, na primeira sessão em que
o processo foi examinado, fez um breve aparte para
chamar a atenção dos colegas sobre a aplicação
temerária da corrente “Análise Econômica do
Direito”. Ressaltou que direitos fundamentais, como
o princípio da dignidade da pessoa humana, não devem
ser interpretados conforme critérios de eficiência e
utilitarismo.
Essa é a linha decisória que nos anima a expressar o
desejo de que o Supremo Tribunal Federal possa
caminhar por rumo oposto aos dos votos apresentados
pelos Ministros Luiz Fux e Roberto Barroso.
Não esperamos que o Supremo Tribunal Federal esteja
à frente de seu tempo! Mas também não podemos
concordar que esteja alinhado às teorias econômicas
que debilitam o Estado Social e Democrático de
Direito. O enfraquecimento dos direitos sociais, do
acesso amplo à Justiça e da proteção social destroem
a Democracia, tanto quanto as práticas políticas que
abertamente a desprezam e precisam ser combatidas.
As importantes decisões proferidas por esta Corte em
matéria de diversidade, saúde no trabalho e contra
os ataques antidemocráticos ocorridos nos últimos
tempos, devem ter o seu equivalente na afirmação dos
direitos sociais e econômicos. Ambos são
inseparáveis. Sem estes, também se está debilitando
a Democracia e estimulando formas autoritárias e
neofacistas, como se tem visto no Brasil e em parte
do mundo.
Há uma extensa agenda trabalhista e sindical sendo
examinada pela Corte que estão a exigir mais
diálogo, mais abertura para ouvir e compreender os
dados da realidade brasileira e a afirmação da
Constituição de 1988, que fez prevalecer a
valorização do trabalho humano sobre a liberdade
econômica.
Brasília, 17 de outubro de 2021.
Sérgio Nobre
Presidente da Central Única dos Trabalhadores
Miguel Torres
Presidente da Força Sindical
Ricardo Patah
Presidente da União Geral dos Trabalhadores
Adilson Araújo
Presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil
José Reginaldo Inácio
Presidente da Nova Central Sindical de Trabalhadores
Antônio Fernandes dos Santos Neto
Presidente da Central dos Sindicatos Brasileiros
Edson Carneiro da Silva (Índio) Secretário Geral
Intersindical Central da Classe Trabalhadora
Luiz Carlos Prates (Mancha)
Secretaria Executiva Nacional da CSP-Conlutas
José Gozze
Presidente - Pública Central do Servidor
Fonte: Centrais Sindicais - Do Blog de Notícias da CNTI
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