Qual será a postura de Lula e de seu governo frente a essa possibilidade histórica?
A classe trabalhadora brasileira teve de esperar a
chegada de Getúlio Vargas ao poder para conquistar o
direito a uma jornada regulamentada e digna. O
primeiro marco nessa direção foi o Decreto 21.186,
de 22 de março de 1932. Voltado exclusivamente ao
comércio, o texto estabelecia uma carga horária de
até 48 horas semanais para os trabalhadores do
setor.
Poucas semanas depois, em 4 de maio de 1932, o
Decreto 21.364 incluiu os trabalhadores da indústria
entre os beneficiários da jornada de 48 horas. Uma
vez que comerciários e operários estavam atendidos,
o trabalho na cidade mudou de patamar. A
Constituição de 1934 chegou a indicar que as
condições para “a proteção social do trabalhador e
os interesses econômicos do País” estavam
garantidas.
Para mostrar que a jornada era sagrada e não podia
ser burlada, Vargas anunciou mais avanços em 1º de
maio de 1943, com a CLT (Consolidação das Leis do
Trabalho). Primeira legislação trabalhista de
alcance nacional na história do Brasil, a CLT
generalizou as 48 horas semanais para todos os
trabalhadores formais, fixou um limite de duas horas
extras diárias e garantiu 30 dias de férias.
Faltava regulamentar o trabalho no campo. Leis como
o Estatuto da Lavoura Canavieira, de 1941, eram
insuficientes – até porque não ousavam tratar de
cargas horárias para trabalhadores das usinas. Em 2
de março de 1963, com a Lei 4.214, o governo João
Goulart viabilizou o Estatuto do Trabalhador Rural (ETR).
O emprego rural passou a ter uma jornada com regras
próprias: até 44 horas semanais e 220 horas mensais,
com descanso de ao menos 11 horas consecutivas entre
duas jornadas.
Sob o regime militar, a Lei 5.889/1973 revogou o
Estatuto e estendeu a maioria das disposições da CLT
aos trabalhadores do campo. Pela primeira vez, os
três setores econômicos estavam enquadrados em um
regime legal comum. Na Constituição Federal de 1988,
essa equiparação entre trabalho urbano e rural foi
consolidada. Ao mesmo tempo, a partir da
“Constituição Cidadã”, a jornada semanal foi
reduzida – de 48 para 44 horas semanais.
Governos ultraliberais, como os de Michel Temer
(MDB) e Jair Bolsonaro (PL), tentaram flexibilizar o
teto de 44 horas, por meio da reforma trabalhista,
da lei da terceirização irrestrita e do Contrato
Verde e Amarelo. A legislação continua a prever o
limite semanal anunciado em 1988, mas ainda há
brechas legais para burlar a lei.
A rigor, a esquerda, uma vez no Planalto, pouco fez
para mudar esse paradigma e baixar ainda mais a
jornada de trabalho. Diversas marchas das centrais
sindicais a Brasília priorizaram a luta pelas 40
horas já. No entanto, os 14 anos de governos Lula e
Dilma Rousseff não foram de estímulo ao debate –
quem dera à execução.
Há quatro anos, um deputado federal do PT, Reginaldo
Lopes (MG), chegou a propor uma Proposta de Emenda à
Constituição, a PEC 221/2019, a fim de encurtar a
jornada de 44 para 36 horas. A redução seria
gradual, ao longo e de dez anos. Um projeto similar
acaba de ser aprovado no Chile, com a diminuição de
45 para 40 horas semanais, também gradualmente,
articulada à possibilidade da semana de quatro dias.
No Brasil, a Pauta da Classe Trabalhadora, aprovada
unitariamente pelas centrais sindicais na Conclat
2022, não foge ao assunto. Em seu artigo 28, o
documento defende “a jornada de trabalho em até 40
horas semanais, sem redução de salário e com
controle das horas extras, eliminando as formas
precarizantes de flexibilização da jornada”. O texto
fala também em “assegurar o direito às jornadas
especiais de trabalho das profissões e categorias
submetidas à sistemática especial de atividade ou
organização do trabalho”.
A volta de Lula à Presidência da República, após
quatro anos do governo de destruição de Bolsonaro, é
oportunidade de avançarmos nessa luta, saindo,
enfim, da teoria à prática. Vale lembrar que, desde
1935, a OIT (Organização Internacional do Trabalho)
recomenda uma jornada semanal de 40 horas como
padrão para a classe trabalhadora. Além disso, salvo
raras exceções – como a da Índia –, a tendência
mundial é a diminuição de horas trabalhadas.
Há países na Europa em que a carga horária média por
semana está abaixo de 35 horas – caso de Holanda,
Dinamarca, Alemanha, Suíça e Irlanda. Outras nações
investem em pesquisas sobre a viabilidade da “semana
de quatro dias”, na qual o dia a mais de descanso
pode não representar necessariamente um prejuízo à
produtividade.
Qual será a postura de Lula e de seu governo frente
a essa possibilidade histórica?
A entrevista do ministro do Trabalho e Emprego, Luiz
Marinho, ao jornalista Jamil Chade, do UOL, é
animadora. Segundo Marinho, é necessário “que isso
entre na pauta” do governo. “Tenho provocado as
centrais sindicais: ‘Vocês não vão falar sobre a
redução de jornada de trabalho?’. Mas não adianta só
ficar falando”, declarou o ministro. “É preciso
colocar energia para transformar em políticas
públicas.”
Marinho cita o estabelecimento das 44 horas semanas,
em 1988, como “um avanço importante”, que teve
desdobramentos para diversas categorias. “Muitos
acordos ainda estabeleceram 40 horas semanais – mas
a maioria da economia ainda está em 44 horas”,
resume.
Lula terá condições de avançar? “É plenamente
factível levar toda a jornada máxima para 40 horas
semanais”, responde Marinho, com a velha provocação.
“O correto, porém, é nascer isso das lutas sociais –
e não simplesmente o governo mandar o projeto de lei
propondo isso. Precisa haver um processo de
mobilização e, por isso, minha provocação para os
sindicatos.” É hora de cortarmos horas da jornada de
trabalho.
Fonte: Portal Vermelho - Do Blog de Noticias da CNTI - https://cnti.org.br
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