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terça-feira, 11 de outubro de 2022

 O papel dos sindicatos na democracia a construir


Desde os anos 90, neoliberalismo desestrutura mercado de trabalho. Resgatar direitos, renda e identidade laboral exigirá sindicatos conectados a nova realidade.

Por Marcio Pochmann


A democracia representativa não se faz plena quando a organização e apresentação do mundo do trabalho se encontram frágeis e deslocadas da realidade como atualmente ocorre no Brasil. A recorrente adoção do receituário neoliberal a partir de 1990 fez com que a classe trabalhadora conformada pela sociedade urbana e industrial fosse profundamente ferida de morte.


Até então, o projeto nacional desenvolvimentista iniciado com a Revolução de 1930 buscava transformar a antiga massa rural sobrante herdada da sociedade agrária em proletários urbanos constituídos de cidadania regulada pelo acesso aos direitos sociais e trabalhistas. Nesse sentido, o Sistema Corporativo de Relações de Trabalho centrado na Consolidação das Leis do Trabalho de 1943 definia o novo corpo social constituído pela identidade da categoria portadora de carteira profissional e sujeito de direitos consagrados pelo pertencimento ao sindicato e à proteção da Justiça do Trabalho.


Em plena virada para a década de 1980, quando sociedade urbana e industrial parecia se aproximar do seu auge, a virada de mesa imposta pela adesão passiva e subordinada à globalização interrompeu a constituição de quase um século da classe trabalhadora assalariada. Com isso, a relação salarial que se afirmava desde a abolição da escravatura, em 1889 começou a ser rompida.


A inflexão no sentido da estruturação do mercado de trabalho via assalariamento seguiu o movimento de estagnação da renda per capita nacional movido pela transição do modelo econômico de substituição de importações para o primário-exportador. A desindustrialização marcou a virada no conjunto da estrutura produtiva que, antes diversificada, complexa, articulada e internamente integrada, converteu-se cada vez mais em especializada, simplificada, desarticulada e externamente integrada.


As consequências para o mundo do trabalho foram imediatas, diretas e expressivas. O desemprego aberto, desconhecido desde a Depressão de 1929, passou a ter presença constante.


Em maior ou menor medida, a essência da desocupação foi sendo travestida em crescente massa urbana sobrante vivendo de estratégias de subsistência. A nova metodologia do desemprego introduzida na década de 1980 pelo Dieese permitiu saber, em parceria com instituições públicas paulistas, qual parte importante do fenômeno do desemprego permanecia oculta na pesquisa oficial da época.


Sem capacidade de interromper o movimento de dissolução da relação salarial, medidas governamentais diversas e sucessivas foram sendo adotadas diante da desestruturação do mercado de trabalho. De um lado, surgiram as iniciativas de convivência com a desocupação expressas pela introdução do seguro-desemprego e pela profusão de programas variados de garantia de renda crescentemente desconectados da trajetória laboral. De outro, as ações governamentais contemporizadoras com a massa excedente da mão de obra trataram de legalizar o rebaixamento do patamar de rendimentos e dos direitos sociais e trabalhistas. Sob a denominação de modernização da legislação trabalhista, a precarização laboral passou a ser oficializada pela flexibilização contratual, como a formalização da terceirização, dos microempreendedores individuais, de microempresas e da pejotização.


A reconfiguração do mundo do trabalho apontou para outro sujeito social, cada vez mais distante e descrente da estrutura corporativa de organização e representação dos interesses laborais. Sem identidade e pertencimento próprios da relação salarial, parcela crescente da classe trabalhadora segue em busca de sindicatos contemporâneos com a realidade atual, conforme destacado na publicação recém-lançada: O sindicato tem futuro? (Expressão Popular/FRL, 2022).


A representatividade coletiva, especialmente da classe trabalhadora, constitui a base fundamental em direção à qual a democracia brasileira precisa avançar rapidamente. Do contrário, o desbalanceamento nas forças sociais do trabalho se expressa na política enquanto representação predominante do capital.


Autor é economista, pesquisador e político brasileiro. Professor titular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Foi presidente da Fundação Perseu Abramo de 2012 a 2020, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, entre 2007 e 2012, e secretário municipal de São Paulo de 2001 a 2004.

 

Fonte: Outras Palavras - Do Blog de Notícias da CNTI


https://cnti.org.br/html/noticias.htm#O_papel_dos_sindicatos_na_democracia_a_construir

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