Aprovada na semana passada na Câmara, a Medida Provisória 927 já pode
ser votada no Senado, agora como projeto de lei de conversão (PLV 18).
Mas nada se aproveita de seu texto, afirmam sindicalistas, juízes,
advogados e parlamentares, que participaram segunda (22) à noite de live
promovida pelos senadores Paulo Paim (PT-RS) e Weverton (PDT-MA). “É uma
declaração de guerra à classe trabalhadora”, afirmou, por exemplo, a
presidenta da Associação Juízes para a Democracia, Valdete Severo. “Não
tem salvação para nenhum dos artigos.”
Segundo ela, a proposta se insere em um conjunto sistemático de ataques
aos direitos trabalhistas. “Existe um silêncio eloquente em relação a
essas medidas provisórias. Do início ao fim (referindo-se à MP 927), é
perversa, é um abuso após o outro. Um projeto de destruição de qualquer
possibilidade de o Brasil ser uma nação, de ter uma retomada da
economia.”
Entre os itens criticados contidos no PLV 18, um dos primeiros a serem
lembrados é o chamado “banco de horas negativo” (artigo 14). O período
eventualmente não trabalhado durante a pandemia irá para um banco a ser
descontado em até 18 meses – um trabalho a ser feito sem pagamento, no
limite de duas horas diárias. A medida permite ainda, no artigo 2º, que
acordos individuais entre empregado e empregador se sobreponham a leis e
acordos coletivos.
“É uma medida provisória perversa”, define o vice-presidente da Comissão
Nacional de Direitos Sociais do Conselho Federal da Ordem dos Advogados
do Brasil (OAB), Marthius Sávio Cavalcante Lobato. Para ele, o principal
objetivo da MP é “atacar os direitos sociais e principalmente as
organizações sindicais”. Segundo ele, não há nada no texto que
justifique sua existência. “Todos os itens são passíveis de negociação
coletiva.”
Injustiça e inconstitucionalidade
O secretário de Relações
Institucionais do Ministério Público do Trabalho, Márcio Amazonas,
também critica a proposta. “Num momento de pandemia, quem menos deveria
sofrer os impactos era a classe trabalhadora”, afirma. Ele cita, entre
outros, o item que suspende pagamento de acordos trabalhistas, o que
“viola a coisa julgada”. E aponta “injustiça, imperfeição técnica e
inconstitucionalidade” da matéria em tramitação no Senado.
Vice-presidente da Associação Latino-americana de Advogados Trabalhistas
(Alal, na sigla em espanhol), Daniela Muradas aponta desrespeito a
convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT), como a 98,
que trata da negociação coletiva, “elemento essencial das relações
trabalhistas”. Também não se observou o princípio do diálogo social,
acrescenta, manifestando “objeção plena à MP 927” e a intenção de
“oficiar a OIT como mais um vilipêndio aos nossos compromissos
internacionais”. A organização tem com uma de suas premissas o diálogo
tripartite (governo, empresários e trabalhadores), o que não aconteceu
no caso da medida provisória.
Pelo contrário, observa Hugo Melo Filho, diretor da Associação
Latino-americana de Juízes do Trabalho (ALJT), que fala em “crueldade e,
mais do que isso, deslealdade empresarial em relação aos trabalhadores”.
Ele afirma que a MP “tem o propósito exclusivo de garantir os interesses
empresariais neste momento da pandemia”. E “nada se aproveita” do texto,
acrescentando, apontando como destaque mais negativo a prevalência de
acordos individuais sobre os coletivos, um artigo que ele classifica de
dramático: “Isso significa dizer que pela MP se permite a grande
concretização do sonho do capital”.
Lixo legislativo, destruição do Direito
Conduzido pelo secretário de
Assuntos Jurídicos da CUT, Valeir Ertle, o debate virtual teve a
presença de dirigente de várias centrais, como o primeiro-secretário da
Força Sindical, Sérgio Luiz Leite, o Serginho. Segundo ele, se com a MP
936, mesmo com limitações, foi possível assegurar manutenção de
empregos, a 927 simplesmente “aproveita a crise sanitária para
aprofundar a reforma trabalhista do governo anterior”. “E a Câmara
conseguiu piorar”, emendou o dirigente.
“Não tem o que discutir nessa medida”, reforçou Alexandre Caso, da
Intersindical. O secretário-geral da CSB, Álvaro Egea, considera o
projeto um “lixo legislativo”. E o diretor da CTB Nivaldo Santana foi
irônico. “Existe um princípio do Direito de proteção ao hipossuficiente.
Aqui no Brasil parece que o hipossuficiente é o capital”, afirmou.
Para a presidenta da Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas (Abrat),
Alessandra Camarano, trata-se de uma proposta que inclui “destruição do
Direito do Trabalho, direitos constitucionais, flexibilização de
processos e normas constitucionais”. Ela observou que o Brasil já esteve
na chamada “lista curta” da OIT durante dois anos. A short list inclui
os países que devem dar explicações sobre possível desrespeito a normas
trabalhistas.
O ex-procurador-geral do Trabalho Ronaldo Curado Fleury disse que o
Brasil vive um “extremismo do neoliberalismo”. Esses interesses
consideram fundamental “o rompimento de qualquer coletivização da defesa
dos interesses do ciadão”. E isso se torna mais claro na área
trabalhista. “Simplesmente se desconsidera toda e qualquer entidade
sindical em qualquer tipo de negociação e na imposição de qualquer
regra. As entidades sindicais são simplesmente desconsideradas,
invisibilizadas.”
Fonte: Rede Brasil Atual -Do Blog de Notícias da CNTI
http://cnti.org.br/html/noticias.htm#Da_MP_927_nada_se_aproveita,_afirmam_ju%C3%ADzes,_parlamentares,_advogados_e_sindicalistas