No post de hoje publicamos artigo escrito por Vitor Nuzzi, publicado no sito eletrônico da CUT (Central Única dos Trabalhadores) alertando para o fato de que a aprovação da PEC 287 vai inviabilizar as aposentadorias dos brasileiros.
Vale a pena conferir:
Para trabalhadores, não é ‘reforma’ da Previdência. É fim
Especialistas alertam que PEC 287 deve inviabilizar aposentadorias
Escrito por: Vitor Nuzzi, na RBA • Publicado em: 20/02/2017 - 12:37 • Última modificação: 20/02/2017 - 18:30
Foto: Jailton Garcia (1992)
Conhecido
por apresentar em 2013 um relatório francamente favorável à ampliação
da terceirização, o deputado Arthur Maia – na época no SD, hoje no PPS
baiano – espera divulgar em meados de março seu parecer sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287,
de reforma da Previdência Social. O plano de trabalho na comissão
especial foi apresentado em 14 de fevereiro, e prevê oito audiências
públicas e seminário internacional.
A guerra começou, como diz o economista Eduardo Fagnani,
da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “O que está em jogo no
Brasil não é um ajuste fiscal, é uma mudança no modelo de sociedade”,
afirmou, durante evento organizado pelo Dieese e por nove centrais
sindicais, que tentam unir forças para derrubar (como defendem alguns)
ou modificar (como tentam outros) a PEC 287. Em comum, todos refutam o
argumento central do governo Temer, que fala em necessidade de “reforma”
para manter o sistema viável.
Argumentos sempre usados de “déficit” ou “rombo” da Previdência são
falsos, diz Fagnani. “O déficit é a parte do governo que, embora
prevista na Constituição, não é contabilizada”, afirma. “Não há argumento para dizer que o problema fiscal brasileiro é a Previdência. A estratégica do ajuste fiscal é comprimir o gasto primário.” Já o gasto financeiro, acrescenta, “deixa explodir”.
Para a oposição no Congresso, a PEC tem o sistema financeiro como
interessado direto. Assim que Maia foi escolhido como relator, emergiu a
informação de que o deputado recebeu contribuições, em sua campanha
eleitoral, de bancos e seguradoras – apenas da Bradesco Vida e
Previdência, foram quase R$ 300 mil, em 2014. Para o parlamentar, isso
nada mais é que uma “ilação maldosa”.
O presidente da comissão especial, Carlos Marun (PMDB-MS), deve
conduzir a tramitação da PEC 287 conforme deseja o Planalto sem temer
pressões contrárias. Marun já mostrou resistência ao defender, quase
solitariamente, o agora ex-deputado Eduardo Cunha antes de sua cassação.
“Quem defende Cunha, defende qualquer coisa”, diz um observador.
Ou seja: para combater a PEC, será preciso muita unidade e capacidade
de articulação e pressão, diante de um Congresso francamente alinhado
ao governo e às reformas, incluindo a trabalhista. Para o diretor
técnico do Dieese, Clemente Ganz Lúcio, trata-se de desafio semelhante
ao do período pré-Constituinte, em meados dos anos 1980. Ele avalia que o
movimento sindical precisa se organizar para evitar “um dos maiores
desmontes institucionais e sociais da história”. E as centrais não são
contra mudanças, acrescenta, tanto que apresentaram várias propostas em
negociações com a equipe de Michel Temer. “O projeto que está aí não nos representa.
Queremos uma reforma que dê proteção universal aos trabalhadores,
eficaz na cobrança, com sonegação zero, universal e sustentável.”
Protestos
As centrais mandarão representantes a Brasília no dia 21,
para conversar com os presidentes da Câmara e do Senado, líderes
partidários e com o comando da comissão especial da reforma da
Previdência (e também da trabalhista). Em 15 de março, acompanhando uma
data já aprovada pelos trabalhadores em educação, haverá um dia nacional
de protestos e paralisações contra a 287.
Em meados de janeiro, o Dieese divulgou nota técnica com restrições
severas ao projeto do governo, cuja premissa básica é dificultar ou
impedir o acesso a benefícios – e reduzir o valor para quem conseguir
recebê-los. Tornaria a aposentadoria integral uma “utopia” e, em uma
análise mais geral, “favorece o aumento da vulnerabilidade social, da
pobreza e das desigualdades no país”. O instituto também identifica
favorecimento: “Transparece ainda na proposta um objetivo implícito de
fragilizar a Previdência Social e estimular a difusão de sistemas
privados de previdência”.
Para obter a aposentadoria integral, pelas regras propostas na PEC,
um trabalhador precisaria contribuir durante 49 anos, uma façanha se
considerados fatores como rotatividade e informalidade no mercado de
trabalho brasileiro. Com base em dados de 2014 da própria Previdência,
segundo os quais cada trabalhador pagou em média 9,1 contribuições
naquele ano, o tempo aumenta consideravelmente: “Seria necessário
esperar 64,6 anos, depois de iniciar a vida laboral, para completar o
correspondente a 49 anos de contribuições”.
Suposição irrealista
O instituto destaca que a exposição de motivos da PEC não traz
explicação sobre a proposta de mudança do cálculo do benefício. “Tudo
indica que o raciocínio utilizado foi: subtrair a idade legal de início
de trabalho no Brasil (16 anos) da idade mínima de aposentadoria
proposta (65 anos) e fazer com que ao resultado dessa diferença (49
anos) corresponda à aposentadoria integral”, analisa. “A suposição,
totalmente irrealista para a realidade brasileira, é que a pessoa
trabalhadora contribuiu todos os meses, ininterruptamente, no período
entre os 16 e os 65 anos, sem nunca ter ficado desempregada, inativa do
ponto de vista econômico, na informalidade (isto é, como autônoma sem
contribuição previdenciária) ou na ilegalidade (contratada sem
carteira). A suposição do início do período contributivo aos 16 anos
também desconsidera o princípio de que, nessa idade, a pessoa ainda
deveria estar em processo de escolarização e de formação para o
trabalho.”
Mais informações da própria Previdência mostram potencial excludente da proposta governista. Segundo divulgou o jornal Folha de S.Paulo
na edição de 12 de fevereiro, 79% das aposentadorias por idade
concedidas em 2015 foram para trabalhadores com menos de 25 anos de
contribuição, que pela PEC passa a ser o tempo mínimo exigido – o atual é
de 15 anos.
Recortes por grupos sociais também atestam que alguns setores
sofrerão ainda mais caso as mudanças sejam implementadas. Estudo
elaborado por um grupo de trabalho no Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea) aponta consequências negativas para as mulheres.
“Estimamos que cerca de 47% das atuais contribuintes não conseguirão se aposentar, em geral as mais precarizadas, aumentando fortemente a demanda por BPC (benefício de prestação continuada)”,
diz o estudo. “Eles sabem disso. Por isso mesmo, estão desvinculando o
BPC do salário mínimo”, diz a pesquisadora Joana Mostafa, da Diretoria
de Estudos e Políticas Sociais (Disoc) do Ipea. Para ela, a PEC 287
representa “redução do Estado na proteção social”.
Estabelecer a mesma idade para homens e mulheres na concessão da
aposentadoria, como quer o governo, significa uma “mudança radical”,
dizem os pesquisadores. “A diferença de idades para homens e mulheres
reconhece um maior risco da mulher de se ausentar ou participar menos do
mercado de trabalho por força da divisão sexual do trabalho ainda
desigual.”
Segundo Joana, que participou do seminário do Dieese, apesar de
alguma melhoria nos últimos anos, a desigualdade persiste: com salário
equivalente a 70% do recebido pelos homens, as mulheres ainda têm
jornada semanal, em média, de oito horas a mais. Em um período de 25
anos de contribuição, isso corresponderia a um acréscimo de 4,5 anos. Ou
mais, considerando a informação de que o trabalhador, em média,
contribui nove a cada 12 meses – o período aumentaria para 5,4 anos.
Exclusão
No caso dos trabalhadores rurais, a exclusão pode ser ainda maior,
segundo Evandro Morello, assessor da Secretaria de Políticas Sociais da
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag). Ele
estima que a PEC tira a expectativa de mais de 70% dos
camponeses de alcançar a aposentadoria. “Isso afeta a economia dos
municípios, a produção de alimentos.”
Evandro acredita que a reforma representará um desestímulo à
permanência no campo, principalmente para os trabalhadores mais jovens: “O jovem tem de ser muito herói para permanecer no campo e manter-se no processo produtivo da agricultura. Quem vai ficar no campo produzindo alimentos para o Brasil?”, questiona.
Pela proposta do governo, o trabalhador rural passaria a ter uma
contribuição individual, em vez da contribuição sobre a venda, como
ocorre hoje (artigo 195 da Constituição), algo inviável pela realidade
do agricultor, avalia o assessor da Contag.
A PEC também aumenta para 65 anos a idade mínima para aposentadoria –
hoje é de 60 anos para os homens e de 55 para as mulheres. Evandro
afirma que quase 80% dos homens e 70% das mulheres começam a trabalhar
no campo com menos de 14 anos. “Quem vai conseguir alcançar essa idade
(65), considerando que é um trabalho penoso?”, questiona.
A rigidez das novas regras poderá fazer com que também os jovens
urbanos se sintam pouco atraídos a contribuir para a Previdência,
acredita o economista Eduardo Fagnani. “Está se disseminando a ideia de ‘se não vou usar, por que pagar?’”,
comenta. Fatores como uma saída do público jovem da base de
contribuintes e mudanças nas relações de trabalho que levam à menor
formalidade, como a terceirização, podem causar “queda brutal” da
receita. Ele lembra que a Previdência é sustentada pelo trabalhador
ativo, pela sociedade e “sobretudo pelo governo”, aproveitando para
contestar afirmação corrente de que o sistema se torna inviável porque
há, progressivamente, menos pessoas na ativa e mais inativos.
Falta diálogo
Quem também contesta os dados do governo é o presidente da Associação
Nacional de Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip), Vilson
Antonio Romero. “O governo dá uma pedalada na Constituição e faz uma contabilidade criativa”, afirma sobre o falado “rombo” da Previdência.
Segundo ele, com todas as fontes de financiamento previstas para
manutenção da seguridade social, o sistema não tem déficit. Mas desde
1994, com a criação do Fundo Social de Emergência, a atual Desvinculação
de Receitas da União (DRU), o governo passou a contar com um
“instrumento de tunga”, como ele define, citando o uso para outros fins
da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e da
Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), além de renúncias
previdenciárias, incluindo desonerações da folha de pagamento e
entidades filantrópicas.
Romero concorda que o setor rural é fator de preocupação, mas
discorda do ônus para o trabalhador. “Temos de chamar o agronegócio a
contribuir.” Outra fonte de recursos estaria na venda de imóveis, que
representam anualmente bilhões em manutenção e outras despesas. “A
Previdência Social é a maior imobiliária do Brasil. E não aliena isso”,
afirma o presidente da Anfip, defendendo ainda aperfeiçoamento do
combate à sonegação.
Está faltando diálogo, diagnosticou o diretor da Organização
Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil, Peter Poschen. Para ele, o
debate sobre a Previdência precisa ser aprofundado para que resulte em
uma reforma “justa e equilibrada”, já que se trata de um tema complexo e
que afetará a atual geração e as próximas. Essa discussão precisa ser
feita com todos os agentes sociais e com o maior número de informações.
“Nossa percepção é que, nesse sentido, ainda falta muito.”
Sobre a PEC 287, ele vê uma “lógica fiscal, no sentido de conter
gastos”, mas afirma que é preciso considerar outros aspectos, inclusive
em termos de manutenção da formalidade, para que isso não represente
perdas – inclusive fiscais – no futuro. “Isso requer uma decisão da sociedade”,
observa o diretor da OIT. Ele considera a Convenção 102 da OIT,
ratificada pelo Brasil, “uma boa âncora para o debate” – essa norma
trata de critérios básicos para regimes de seguridade social, em relação
a contribuições, pagamentos e governança.
Entre os princípios básicos da OIT, está a cobertura universal do
sistema, com base na solidariedade social. Um levantamento da
organização mostra tendência mundial de expansão da cobertura
previdenciária, embora metade dos idosos ainda não receba benefícios. A
maioria dos países têm sistemas públicos. Alguns desistiram da
privatização. Um dos modelos mais conhecidos, o do Chile, é hoje objeto
de questionamento. “Há uma grande discussão sobre o que fazer com o
sistema privado, que se tornou impopular”, diz o especialista da OIT
Fabio Durán.
Está na PEC 287
• Para a concessão da aposentadoria, será preciso ter pelo menos 65
anos de idade e no mínimo 25 anos de contribuição. A aposentadoria por
contribuição será extinta. Atualmente, no regime geral, é necessário ter
65 anos (homens) ou 60 anos (mulheres) e 15 anos de contribuição.
• Está prevista uma regra de transição, para homens com mais de 50
anos e mulheres com mais de 45 anos. Eles teriam de pagar um “pedágio”
equivalente à metade do tempo de contribuição que resta para a
aposentadoria. Se faltam cinco anos, por exemplo, teriam de trabalhar
mais dois anos e meio
• Além do “pedágio”, eles teriam as regras de cálculo para a
aposentadoria já alteradas. Assim, em vez da média de 80% dos maiores
valores de contribuição, esse trabalhador receberia o equivalente a 51%
da média (desde julho de 1994) mais 1% por ano de contribuição. Em um
exemplo mais repetido, teria de trabalhar durante 49 anos seguidos para
conseguir a aposentadoria integral. Em qualquer caso, perde receita.
• Também cairiam os valores dos benefícios, tanto para servidor
vinculado ao RPPS (regime próprio) como para o segurado do RGPS (regime
geral). A PEC desvincula benefícios do salário mínimo. Segundo o Dieese,
as pensões concedidas com valor de um mínimo correspondiam, em 2015, a
55% do total e por 36% do montante pago.
• O Dieese dá exemplos de uma professora da educação básica e de uma
trabalhadora rural com 44 anos de idade na data de promulgação da emenda
constitucional (caso a PEC seja aprovada). Nesse caso, elas não serão
contempladas pela regra de transição e terão de trabalhar 10 anos a
mais: em vez de 11, 21 anos. A proposta suprime diferenças entre homens e
mulheres nos critérios de idade e tempo de contribuição.
FONTE: http://cut.org.br/noticias/para-trabalhadores-nao-e-reforma-da-previdencia-e-fim-2015/
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