Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região,
fez um balanço dos 9 meses da Lei n. 13.467/17 e foi categórico ao
afirmar: “Conduz ao caos social, para satisfação do capital estrangeiro"
Escrito por: Redação CUT
Cesar_Itibere
Crítico
severo da “reforma” Trabalhista do ilegítimo e golpista Michel Temer
(MDB-SP), a Lei n. 13.467/17 –, o professor Jorge Luiz Souto Maior,
livre-docente de Direito do Trabalho da USP e desembargador do Tribunal
Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-15), com sede em Campinas-SP,
previu, em 2017, o que está acontecendo no Brasil nos últimos meses.
Em entrevista exclusiva a Conceição Lemes, do Viomundo, ele diz que “caminhamos para um aprofundamento maior da crise, que não é só econômica, mas também social, cultural e política”.
Como a lei não é baseada em um projeto social e econômico específico, o que dela resulta é um direcionamento para o caos, e isto é possível de ser percebido a olho nu.
Segundo
o desembargador, “a lei aumenta significativamente o poder do
empregador, tornando ainda mais vulneráveis os trabalhadores e suas
organizações sindicais”.
O resultado, de acordo com ele, é
“aumento da precarização; redução concreta de direitos; acumulação ainda
maior da riqueza produzida e, por consequência diminuição do consumo,
fruto também das incertezas”.
E o que aumentou no país depois da Lei, afirma Souto Maior, foi “o desemprego e o desalento”.
Leia a íntegra da enrtrevista:
Viomundo
– O senhor sempre foi contra a terceirização generalizada e crítico
severo da “reforma” trabalhista. O que previu em vários artigos que
publicou em 2017 está acontecendo?
Jorge Luiz Souto Maior — Não é
agradável afirmar que se estava certo quando o que se previa era um
resultado pessimista. Mas, enfim, lamentavelmente está se confirmando o
que a aprovação da lei da “reforma” trabalhista permitia prever no ano
passado.
Viomundo – Que efeitos a reforma trabalhista já produziu nesses 9 meses em que está em vigor?
Jorge
Luiz Souto Maior — A lei aumenta significativamente o poder do
empregador, tornando ainda mais vulneráveis os trabalhadores e suas
organizações sindicais.
Isso por si só é fator de aumento de
sofrimento e de conflitos no ambiente de trabalho, estimulando, também, a
concorrência fratricida entre as empresas.
Resultado: aumento da
precarização; redução concreta de direitos; acumulação ainda maior da
riqueza produzida e, por consequência diminuição do consumo, fruto
também das incertezas.
Com tudo isso, o que se tem, ao contrário
do que argumentavam os defensores da precarização de direitos, é o
aumento do desemprego e do desalento.
Como a lei não é baseada em
um projeto social e econômico específico, o que dela resulta é um
direcionamento para o caos, e isto é possível de ser percebido a olho
nu.
Viomundo — Caos social?
Jorge Luiz Souto Maior —
Exatamente. A lei da “reforma” trabalhista nos conduz ao caos social
para a satisfação econômica imediata de alguns poucos e, sobretudo, do
capital estrangeiro.
Tenta-se superar a crise do capitalismo nos
países centrais, aumentando a extração de ganhos sobre o trabalho nas
periferias. E, para isso é imprescindível rebaixar — e até eliminar –a
rede de proteção social alcançada nos poucos anos em que, em alguns
desses países, experimentou, mesmo que precariamente, uma democracia
social.
Viomundo — É impressão minha ou é fato que só os patrões estão se dando bem com a dita reforma trabalhista?
Jorge
Luiz Souto Maior — Essa me parece uma falsa impressão. Embora a lei
tenha tido o objetivo claro de beneficiar os patrões, isso só vale mesmo
para grandes empregadores, que não são integralmente dependentes do
mercado consumidor interno. Além disso, por ser muito mal redigida, com
diversos problemas de técnica jurídica, dada a pressa com que foi
elaborada e aprovada, a lei da “reforma” traz consigo, também, muita
insegurança jurídica para os próprios empregadores.
O aumento da
insegurança no trabalho e a redução do ganho dos trabalhadores geram,
também, impacto direto no consumo, anulando o ganho da diminuição do
custo do trabalho.
Viomundo – Então, na prática, as normas de precarização só funcionam para grandes empregadores?
Jorge
Luiz Souto Maior – Sim. Há uma grande ilusão de que, por exemplo, a
terceirização e contratos intermitentes teriam incidência na dinâmica
produtiva de pequenos empregadores, ou que estes conseguiriam atingir o
estágio de pressão econômica sobre os sindicatos de trabalhadores para
formularem acordos com cláusulas de redução de direitos.
De todo
modo, essas constatações não são motivo suficiente para negar que muitos
empregadores – e só eles – estão se beneficiando da “reforma” e que
para os empregados os efeitos produzidos são aumento do sofrimento,
redução dos direitos e diminuição da remuneração.
Viomundo — Como os trabalhadores estão sendo penalizados?
Jorge Luiz Souto Maior — Em muitos aspectos.
Primeiro,
foram colocados em defensiva, que os faz conceber que a preservação de
direitos e ganhos, que já eram precários, constitui, em si, uma vitória.
Segundo,
foram conduzidos à lógica do salve-se que puder, descolando-se, ainda
mais, da ação coletiva. Assim, com a pulverização e a concorrência pelos
postos de trabalho baseada em aceitação de menores garantias, a classe
trabalhadora tende, no conjunto, a ver diminuído o seu patamar mínimo de
direitos.
Terceiro, na lógica da precarização, em que o emprego
aparece como privilégio, os trabalhadores perdem a perspectiva de
exigência de respeito aos seus direitos e se submetem, com maior
intensidade, a um trabalho em piores condições e com menores garantias e
retorno econômico.
Quarto, fruto de tudo isso, os trabalhadores
se veem vítimas bem mais vulneráveis do assédio no ambiente de trabalho e
dos acidentes de trabalho.
E, quinto, pela nítida intenção de
alguns dispositivos da lei da “reforma”, os trabalhadores estão sendo
submetidos a um estágio brutal, anterior à instituição ao Estado de
Direito, de negação do acesso à justiça, mediante a ameaça, bastante
difundida pela grande mídia, de terem que suportar elevados custos nas
reclamações trabalhistas.
Viomundo – Que dispositivos são esses?
Jorge
Luiz Souto Maior – Refiro-me, sobretudo, aos artigos 790-B (caput e §
4º), 791-A, § 4º e 844, § 2º da CLT, com a redação que lhes fora dada
pela Lei n. 13.467/17, que procuram impor custos de honorários periciais
e advocatícios aos trabalhadores, mesmo quando beneficiários da justiça
gratuita (cujo alcance também se tentou reduzir pela nova redação dada
aos §§ 3º e 4º do art. 790).
O conjunto desses dispositivos
procura, explicitamente, dificultar o acesso dos trabalhadores à
justiça, rebaixando o seu status de cidadania a nível inferior ao que já
estava consagrado a todos os demais cidadãos, o que atrai,
inexoravelmente, a consideração da inconstitucionalidade de tais normas.
Viomundo – O que esses dispositivos têm provocado?
Jorge
Luiz Souto Maior — Esses dispositivos ferem, claramente, várias
previsões constitucionais que garantem o pleno exercício da cidadania, e
têm servido para difundir o medo entre os trabalhadores e
trabalhadoras, atingindo até mesmo muitos profissionais da área jurídica
trabalhista.
A situação que os trabalhadores e trabalhadores
experimentam é a da perda do sentimento de uma integração mínima a algum
projeto de sociedade.
Seus direitos são retirados e se veem sob
ameaça de não poderem defender, pelas vias institucionalizadas, os seus
interesses imediatos e mais rudimentares ligados à própria
sobrevivência. É muito trágico e violento.
Viomundo — O senhor está seguindo o que reza a dita “reforma” trabalhista? No que está se pautando?
Jorge
Luiz Souto Maior — Todo juiz tem como função solucionar os conflitos
que lhe são submetidos, conforme as regras de distribuição da
competência jurisdicional, aplicando o Direito ao fato.
A Lei n.
13.467/17– que é a da “reforma” trabalhista — é apenas mais uma lei
dentre tantas outras que compõem o Direito, que também é integrado por
princípios, conceitos e institutos.
Acima da Lei n. 13.467/17
estão a Constituição Federal, as Convenções da OIT ratificadas pelo
Brasil e mesmo as não ratificadas, quando integradas às consideradas
fundamentais pela Organização Internacional do Trabalho – e os Tratados
Internacionais de Direitos Humanos.
O que está dito na Lei n.
13.467/17 não pode ser simplesmente descartado, mas também não pode
implicar em uma superação de toda a ordem jurídica.
Enfim,
cumprindo meu dever funcional, continuo, como sempre, aplicando o
Direito e, mais especificamente, o Direito do Trabalho, cujo conjunto
normativo, apoiado em bases constitucionais e principiológicas, fixa
limites ao poder econômico para que sejam atendidos os ditames da
justiça social (art. 170 da CF), a função social da propriedade (art.
5º, XXIII, da CF), a preservação da dignidade humana (art. 1º, III, da
CF), os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, IV,
da CF), vislumbrando a prevalência dos Direitos Humanos (art. 4º, II, da
CF) e a melhoria da condição social dos trabalhadores (art. 7º, I, da
CF).
Viomundo – Mas do ponto de vista técnico-jurídico, a Lei n. 13.467/17 é ilegítima, não é?
Jorge
Luiz Souto Maior – Do prisma estritamente técnico-jurídico, não se pode
mesmo deixar de apontar a ilegitimidade da lei da “reforma”
trabalhista.
Ora, no Estado Democrático de Direito só tem
autoridade de lei a regulamentação que emerge da vontade popular, que,
nas democracias representativas, se substitui pelas instituições que,
pelo voto, atuam no processo legislativo, regulado constitucionalmente.
A
garantia mínima que os cidadãos possuem de que as leis, que vão regular
a sua vida em sociedade, reverberarem seus anseios coletiva e
democraticamente concebidos, é a de que a elaboração das leis deve
respeitar às regras do processo legislativo.
O vício formal na
elaboração de uma lei gera o efeito inevitável da perda de sua
legitimidade, que sequer precisa ser declarada judicialmente tal é a
gravidade da irregularidade.
Viomundo – Explique melhor.
Jorge
Luiz Souto Maior — O projeto de lei (PL 6.787), que deu origem ao
advento da lei da “reforma”, foi apresentado pelo Poder Executivo ao
Congresso Nacional em 23 de dezembro de 2016, como resposta estratégica a
uma crise política.
Tratava de poucos assuntos, em meros 7 artigos.
Começou
a tramitar efetivamente em 9 de fevereiro de 2017 e em 24 de abril do
mesmo ano já estava com relatório final concluído, trazendo mais de 200
alterações na CLT, tratando de todos os assuntos. Esse texto final
tramitou em regime de urgência na Câmara dos Deputados e no Senado e em
11 de julho de 2017 se tornou, formalmente, uma lei.
Afora o tempo
recorde de tramitação na Câmara (dois meses) e o fato de que o texto
final do PL 6.787 não passou por qualquer discussão nas Comissões
daquela Casa, não tendo sido, inclusive, alvo de audiências públicas ou
diálogo com as entidades representativas de trabalhadores, como
preconiza a Convenção 144 da OIT, há um outro aspecto: concretamente, os
senadores não votaram o texto que lhes foi submetido.
Em novo
tempo recorde, cerca de dois meses, aprovaram, isto sim, um texto ainda
inexistente. O relatório final do senador Ricardo Ferraço apontava
diversas impropriedades e inconstitucionalidades do projeto de lei, mas
remetia ao Presidente da República a tarefa de realizar os acertos, por
intermédio da edição de uma Medida Provisória, cujo teor, no entanto,
não se tinha. O que se votou, portanto, foi um texto com teor
desconhecido. Esse fato, de domínio público, é mais que suficiente para
afirmar a ilegitimidade da Lei n. 13.467/17.
A lei foi publicada
no Diário Oficial da União em 14 de julho de 2017, com vigência prevista
para o dia 11 de novembro do mesmo ano, mas passados quase quatro meses
a Medida Provisória não foi editada e, assim, a lei entrou em vigor sem
que a tal “correção” tivesse vindo, em clara demonstração, inclusive,
de que não era de “pequenos defeitos” que se cuidava.
A Medida
Provisória (MP 808) só veio ao mundo jurídico em 14 de novembro de 2017,
promovendo 84 alterações na Lei n. 13.467/17. Depois disso, o Congresso
Nacional teve quatro meses para aprovar a MP 808, mas não o
fez. Resultado: em 23 de abril de 2017, como se sabe, a MP 808
caducou. Entre outras razões, isso se deu também porque foram
apresentadas 967 emendas à MP.
Elas tratavam de diversos assuntos,
em nova e inequívoca demonstração da quantidade de problemas jurídicos
suscitados pela lei. Então, se havia alguma legitimidade no procedimento
adotado – o Senado transferir para o presidente da República a
atividade legislativa –, o fato concreto é que mesmo esse procedimento
não foi cumprido, o que faz da Lei n. 13.467/17 um texto não aprovado
por um procedimento legislativo regular, impondo-se reconhecer, por
conseguinte, que há uma impropriedade jurídica em tratá-la como uma lei
como outra qualquer.
Lembre-se que, em atitude de desespero, para
tentar salvar a “lei”, foi editada, no âmbito do Ministério do Trabalho,
em 23 de maio de 2018, a Portaria n. 349, buscando alterar vários
dispositivos da Lei n. 13.467/17. Mas, com tal procedimento, só se
conseguiu deixar ainda mais nítido o quanto a lei da “reforma” é mal
elaborada e de quase impossível aplicação, maltratando, na prática,
empregados e muitos empregadores e, criando ainda mais obstáculos ao
desenvolvimento econômico nacional, para regozijo do capital financeiro
internacional.
Viomundo –Em geral, como os juízes do trabalho estão decidindo?
Jorge
Luiz Souto Maior — Na enorme maioria dos juízes do trabalho, vejo muita
serenidade e tranquilidade. Eles estão julgando em conformidade com sua
convicção, extraída dos autos; fundamentando, juridicamente, suas
decisões. Aqui, é bom que se registre que julgar conforme a convicção
não é proferir um julgamento sem apoio no Direito. Muito pelo
contrário. O que eu quero dizer é que cabe ao juiz exclusivamente, no
ato jurisdicional, definir quais normas jurídicas incidem sobre o caso,
buscando o sentido da norma aplicada em conformidade com todas as demais
que compõem a ordem jurídica, respeitando a hierarquia normativa e as
formulações teóricas da argumentação típica do Direito.
Viomundo – A grande mídia fala em uma espécie de cartilha para aplicação da lei 13.467/17. Existe essa “cartilha”?
Jorge
Luiz Souto Maior – Realmente, a grande mídia tenta fazer crer que deva
existir um entendimento previamente estabelecido — uma espécie de
“cartilha” – para a aplicação da Lei n. 13.467/17. Mas isso, de fato,
não existe. A aplicação de qualquer lei sempre passa por um processo de
interpretação, que, no geral, respeitando as regras da sintaxe, também
se vale de uma compreensão sistemática, seguindo o padrão da
respeitabilidade das normas de hierarquia superior.
A percepção
que tenho é que, mesmo com os insistentes ataques e ameaças, a Justiça
do Trabalho está cumprindo a sua função institucional e, desse ponto de
vista, pensando na lógica de preservação das bases do Estado Democrático
de Direito, até reforçando a lógica e as razões de sua existência.
Viomundo — O que recomendaria aos trabalhadores neste momento?
Jorge
Luiz Souto Maior — Não me compete dizer o que os trabalhadores devem ou
não fazer, nem teria legitimidade para fazê-lo. O que posso dizer para a
sociedade brasileira, observando a realidade atual das relações de
trabalho e avaliando as tendências, é que caminharemos para um
aprofundamento da crise. A crise não é só econômica, é também social,
cultural e política.
Assim, a única solução possível, séria,
responsável, necessária e urgente que vislumbro é a revogação da lei da
“reforma”, para que novo pacto em torno de um arranjo social mínimo,
recuperando o vigor do projeto constitucional, possa ser estabelecido.
Vale
lembrar que, no dia 29 de maio de 2018, o Comitê de Peritos da OIT — um
órgão independente composto por juristas de diversos países — incluiu o
Brasil na lista dos países violadores das Convenções e Normas
Internacionais do Trabalho, por conta do conteúdo da lei n. 13.467/17.
A lei n. 13.467/17 traz graves violações a normas de proteção internacional com as quais o Brasil se comprometeu.
Isso
gera repercussões não só políticas, no sentido das relações
diplomáticas, mas também efeitos econômicos relativos a garantias e
segurança para investimentos.
FONTE: site da CUT (Central Única dos Trabalhadores) https://www.cut.org.br/noticias/reforma-trabalhista-conduz-ao-caos-social-diz-desembargador-do-trt-15-aef8