Associação de juízes divulga nota em defesa de estudantes
AJD aponta que ocupações representam legítima expressão do direito à livre manifestação
Escrito por: Associação Juízes para a Democracia (AJD)
Tânia Rego Ocupação no Rio de Janeiro em defesa do ensino de qualidade
A Associação de Juízes para a Democracia (AJD) divulgou uma nota no
último dia 31 em que apoio as ocupações dos estudantes contra reformas
na educação e cortes em investimentos sociais previstos na PEC 55
(Proposta de Emenda Constitucional, na Câmara, PEC 241).
O movimento começou no Paraná e tomou conta do país, apesar da
truculência com que tem sido tratado, inclusive, com a anuência do
Judiciário. No Tocantins, um promotor de justiça determinou a prisão de
alunos e no DF, um juiz da Vara da Infância e da Juventude autorizou a
desocupação com métodos de tortura.
Confira a nota na íntegra:
Nota Pública da Associação Juízes para a Democracia Em defesa da livre manifestação de estudantes
A Associação Juízes para a Democracia (AJD), entidade não governamental e
sem fins corporativos, que tem dentre suas finalidades o respeito aos
valores jurídicos próprios do Estado Democrático de Direito, vem a
público afirmar o direito à livre manifestação de estudantes que
participam de movimentos de ocupação das escolas e universidades no
Brasil, diante da violência institucional que vêm sofrendo e da omissão
do Estado em garantir seus direitos.
1. No dia 03 de outubro de 2016 iniciou-se, no Estado do Paraná, um
movimento de ocupação das escolas e universidades públicas. A partir de
tal mobilização, diversos outros estudantes brasileiros aderiram à
manifestação e também passaram a ocupar escolas e universidades em todo o
Brasil.
2. O movimento de ocupação das escolas tem como principal escopo
rechaçar a Medida Provisória 746/2016 e a PEC 241, que no Senado adotou a
numeração 55, as quais trarão modificações substanciais na educação
pública e que não foram abertas ao debate amplo de toda a sociedade.
3. Tem-se visto, no início do presente século, uma série de
manifestações por todo o mundo que demonstram a indignação das pessoas
perante as promessas não cumpridas do sistema político: a revolução da
liberdade e dignidade da Tunísia, a revolução egípcia, as insurreições
árabes, os Indignados de Espanha e o Occupy Wall Street nos Estados
Unidos são exemplos desse quadro.
4. Na América Latina, em 2006, ocorreu a Revolução dos Pinguins no
Chile, onde estudantes ocuparam mais de 600 escolas reivindicando a
gratuidade do exame de seleção para universidade e o passe escolar
gratuito. Em 2015, mais de 200 escolas foram ocupadas em São Paulo
contra o fechamento de unidades pelo governo paulista.
5. É a partir desse contexto que se deve voltar os olhos às atuais
ocupações. Na sociedade em rede, a dinâmica das mobilizações sociais e
dos meios de controle do Estado pela sociedade ganharam uma nova
conformação e, consequentemente, o Direito deve acompanhar tais
transformações a partir de releituras dos institutos jurídicos.
6. O direito à liberdade de expressão, estampado no art. 5º, IV da
Constituição da República, permite que a liberdade de manifestar o
pensamento, por meio da comunicação, ocorra entre interlocutores
presentes ou ausentes. Na sociedade em rede, não é mais possível
entender que vigore uma forma apartada de comunicação entre presentes de
um lado e entre ausentes do outro, quando surgem, a todo momento,
formas não usuais de manifestação, como é o caso das ocupações, que
afetam um número considerável de pessoas, ganhando repercussão e gerando
discussões sobre o evento.
7. Assim, partindo dessa constatação, é preciso considerar que as
ocupações, na forma que sucedem em escolas e universidades, consistem em
exercício de liberdade de expressão que permite, aos coletivos, grupos e
movimentos sociais, a atenção do Estado e da sociedade para as suas
demandas. Representam, em outros termos, legítimo direito tutelado pela
Constituição da República.
8. Tais atos não configuram, portanto, esbulho sobre bens públicos.
Conforme reconhecido judicialmente por ocasião da mobilização de
estudantes ocorridas em São Paulo em 2015, o instituto possessório não
guarda identidade com o ato de ocupação, uma vez que os alunos não
pretendem ter a posse do prédio público, mas utilizá-lo para dizer à
sociedade que a escola/universidade e a educação são temas que dizem
respeito essencialmente aos alunos e que eles, enquanto sujeitos de
direitos – amparados pela Constituição da República, pelo Estatuto da
Juventude e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – podem
manifestar-se acerca das pretendidas modificações na legislação
pertinente.
9. Não se pode esquecer, ainda, que os estudantes das escolas e
universidades trazem a esperança de um novo tempo com a intervenção da
sociedade nas questões públicas, na medida em que buscam estabelecer um
diálogo duradouro com o Estado. A democracia de alta intensidade,
projetada em Constituição que promete a construção de sociedade livre,
justa e solidária (art. 3o, I), impõe a permanente participação social
na gestão pública, não se limitando, pois, às formalidades eleitorais.
10. Por tudo isso, a Associação Juízes para a Democracia (AJD), no
exercício da liberdade de associação também consagrado
constitucionalmente (art. 5o, XVII), vem a público afirmar que as
ocupações nas escolas e universidades, como forma de protesto,
representam legítima expressão do direito à livre manifestação, clamando
para que o Estado promova o diálogo efetivo com estudantes.
Fonte: site da CUT (Central Única dos Trabalhadores) http://cut.org.br/noticias/associacao-de-juizes-divulga-nota-em-defesa-da-democracia-3889/